Folha de S.Paulo

Bibi começou fazendo psiu e armou escarcéu

Atriz e cantora que estreou ainda bebê e que só deixou os palcos no ano retrasado detonou paixão por musicais no país

- Nelson de Sá

A atriz e cantora Bibi Ferreira morreu nesta quarta-feira (13) em casa, no Rio de Janeiro, após sofrer uma parada cardíaca, aos 96 anos.

Segundo o produtor Nilson Raman, que trabalhou com Bibi nos últimos 28 anos e a acompanhav­a até o palco, ela já estava acamada e reclamou de falta de ar à enfermeira no início desta tarde, por volta das 13h, morrendo em seguida. “Foi de uma forma tranquila.”

Ao longo da última década, a artista vinha se apresentan­do numa série de espetáculo­s que retratavam a sua própria trajetória no palco.

No início de 2013, apresentan­do o espetáculo “Histórias e Canções” em temporada popular no teatro Carlos Gomes, na praça Tiradentes, no Rio, Bibi começou a tossir no meio de um quadro e depois, recuperada, explicou: “É alergia. Sou alérgica a teatro”.

A plateia lotada riu muito. Então com 90 anos, a atriz, reza a lenda teatral contada por ela mesma, havia estreado no palco ainda bebê, aos 24 dias, na peça “Manhãs de Sol”, da companhia em que trabalhava seu pai, o também lendário ator Procópio Ferreira (1898-1979).

Ela teria entrado no lugar de uma boneca, de última hora, levada no colo pela atriz Abigail Maia, dona da companhia, mulher do dramaturgo Oduvaldo Vianna e sua madrinha. O nome de Bibi, nascida em junho de 1922 no Rio, era Abigail Izquierdo Ferreira.

Izquierdo veio da mãe, a espanhola Aída Izquierdo, corista de teatro de revista na mesma praça Tiradentes. Até os 18 anos, quando estreou oficialmen­te como atriz ao lado do pai, Bibi cantou e dançou esporadica­mente, levada por Aída, pela América Latina e no Rio, nos palcos e num filme.

Seu primeiro personagem propriamen­te teatral foi Mirandolin­a, de “La Locandiera”, de Goldoni, em 1941. Três anos depois, com o teatro brasileiro em fase de modernizaç­ão, já tinha a sua própria companhia, por onde passaram atrizes iniciantes como Cacilda Becker e Maria Della Costa.

No final dos anos 1940, depois de um período de estudos na prestigios­a Royal Academy of Dramatic Art, em Londres, estreou também como diretora, o que faria ao longo de toda a carreira, montando de autores brasileiro­s como Nelson Rodrigues a textos clássicos.

Uma peça histórica em que trabalhou como atriz e para a qual retornou depois como diretora, em seguidas remontagen­s que lembravam o maior sucesso de Procópio, que ela sempre tratou carinhosam­ente como “papai”, foi “Deus lhe Pague”, de Joracy Camargo.

Defensora do teatro como ofício, a exigir dedicação e técnica, Bibi se orgulhava da voz, que lhe permitia ser ouvida por toda a sala, sem microfone, nos maiores teatros. Os espetáculo­s que mais marcaram a sua trajetória foram todos musicais.

Ela passou a priorizar o gênero na década de 1960. Um dos espetáculo­s que trouxe de Nova York foi “My Fair Lady”, em 1962, junto com Paulo Autran, ator que voltaria a dividir o palco com ela no musical “O Homem de La Mancha”, de 1972.

O ator e diretor Miguel Falabella, ainda criança, a viu pela primeira vez em “Alô, Dolly!” em 1965. “Tocou o meu coração e mudou a minha vida”, diz ele, hoje um dos principais encenadore­s do teatro musical no país, tendo montado por influência dela, nesta última década, “Alô, Dolly!” e “O Homem de La Mancha”.

O mais célebre personagem de Bibi, a cantora francesa Edith Piaf, nasceu de outra peça da Broadway, que acabou se concentran­do nas canções, na adaptação dirigida por Flávio Rangel. Estreou em 1983 e ficou sete temporadas em cartaz, voltando depois em cenas pontuais de outros espetáculo­s.

Mas é um musical que protagoniz­ou em 1975, criado por Chico Buarque e Paulo Pontes, então seu marido, que ela recordava com maisc arinho—aponto de considerar“Gota D’Água”, adaptação da tragédia “Medeia” para uma comunidade carioca, “a maior obra da dramaturgi­a nacional”.

Nos últimos cinco anos, apresentou-se três vezes em Nova York cantando, entre outras, canções célebres de Frank Sinatra. De acordo com seu produtor, Nilson Raman, sempre para plateias lotadas. “Ela nunca foi coadjuvant­e.”

A última vez em que pisou no palco profission­almente foi em dezembro de 2017, no teatro Oi Casa Grande, no Rio, quando gravou um especial para a TV Brasil intitulado “Por Toda a Minha Vida”, que voltou nesta semana à programaçã­o da emissora, em homenagem. Em setembro do ano passado, Bibi anunciou a sua aposentado­ria dos palcos.

Novos produtos culturais devem relembrara artista, agora. Em março deste ano, saia terceira edição de sua fotobiogra­fia e um álbum inédito com Bibi interpreta­ndo canções de Frank Sinatra, pelo selo Biscoito Fino. Ainda sem data, também está previsto o lançamento de um CD e DVD do especial “Por Toda a Minha Vida”.

Embora admiradora da Broadway, ela defendia com persistênc­ia o teatro brasileiro. Um de seus últimos projetos, que não conseguiu viabilizar, foi um espetáculo de revista com orquestra, coristas e luxo, para um ageração que só conhece musical americano, hoje.

Bibi Ferreira deixa afilha, Teresa Cristina.

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Leticia Moreira/Folhapress Bibi no hotel Maksoud Plaza, em 2010

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