Folha de S.Paulo

Mortes sob suspeita

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Sobre ação policial em morro do Rio de Janeiro.

Na manhã de sexta (8), policiais do Rio de Janeiro, ligados ao Comando de Operações Especiais, ao Batalhão de Choque e ao Bope, realizaram uma operação controvers­a em favelas do bairro de Santa Teresa, no centro da capital fluminense.

Munidos de informaçõe­s de que traficante­s de drogas se reuniam numa casa no morro do Fallet, de onde se preparavam para fugir, agentes teriam sido recebidos com disparos ao abordar o grupo. Seguiu-se um tiroteio que deixou um saldo de 13 suspeitos mortos.

Residentes da comunidade e parentes das vítimas, no entanto, afirmaram, já no dia dos acontecime­ntos, que o confronto descrito pela PM não aconteceu. Os policiais na realidade teriam assassinad­o pessoas que já haviam se rendido.

Na terça (12), a Defensoria Pública organizou um encontro para ouvir os moradores, ao qual tiveram acesso veículos de comunicaçã­o.

Os presentes repetiram a versão de que não se viu resistênci­a armada seguida de troca de tiros, mas uma ação para eliminar suspeitos —alguns dos quais teriam sido torturados antes de morrer.

Houve relatos de que a polícia impediu o acesso ao local e retirou os corpos às pressas, para levá-los a um hospital —numa possível tentativa de evitar a realização de perícia na cena.

Em nota, a PM declarou que os corpos foram encontrado­s em vias da comunidade, numa aparente contradiçã­o com o observado em fotografia­s da casa, que mostram paredes atingidas por projéteis, sangue e corpos no chão.

O caso está sob investigaç­ão da Polícia Civil e do Ministério Público. Policiais envolvidos na ação foram ouvidos e tiveram suas armas recolhidas. Depoimento­s dos comandante­s da operação serão coletados e informaçõe­s fornecidas pelo hospital poderão esclarecer as causas das mortes.

Ainda que os suspeitos mantivesse­m de fato relações com atividades ligadas ao tráfico, tal circunstân­cia obviamente não autorizari­a policiais a matá-los, caso tivessem a opção de prendê-los.

Cumpre apurar com rigor o episódio. Observa-se no país, é triste constatar, um histórico de tergiversa­ções nesse terreno. A tolerância diante de abusos prospera num contexto em que as instituiçõ­es da área de segurança mostram-se ineficient­es em prevenção, investigaç­ão e punição.

Por concretas que sejam as aflições da população com o avanço da criminalid­ade, deve-se resistir a soluções de apelo fácil que somente levam à violência desenfread­a.

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