Folha de S.Paulo

País da gambiarra

- Mariliz Pereira Jorge

Fosse o Brasil cenário dos desastres naturais que assolam países desenvolvi­dos e sérios, das duas, uma: ou estaríamos em escombros ou já teríamos criado vergonha na cara e desistido de viver nos equilibran­do por meio de gambiarras.

Não ficamos em pé por causa de chuvas, imagine se fôssemos castigados por terremotos, tsunamis, nevascas, furacões. Há tantas pontas soltas por aí que, toda vez que uma delas é puxada, cai uma ponte, se rompe uma barragem, pega fogo num alojamento, despenca a encosta de um morro. Comoção geral e dedos apontados para a fiscalizaç­ão. Como se fosse apenas esse o problema.

Logo depois que a boate Kiss incinerou 242 vidas, em 2013, prefeitura­s e governos estaduais anunciaram mais rigor nas fiscalizaç­ões e algumas mudanças nas leis. Americana, no interior de São Paulo, chegou a cassar o alvará de todas as boates até que fosse confirmada a presença de brigadista­s nos locais. No primeiro ano do incêndio, 70 casas fecharam as portas, em Porto Alegre, por estarem fora dos padrões.

Vemos o mesmo movimento agora por causa de Brumadinho e do Ninho do Urubu. Discussões sem fim sobre como melhorar o monitorame­nto das barragens. Em São Paulo, prefeitura e Ministério Público anunciam que vão inspeciona­r não só centros de treinament­o e alojamento­s mas imóveis usados para abrigar jogadores da categoria de base. Sabemos o que ocorre quando a gritaria se acalma. Poucas mudanças.

É claro que fiscalizaç­ão é importante. Não fosse ela, a ciclovia Niemeyer teria sido liberada a pedido da Prefeitura do Rio uma semana antes de ter mais um pedaço derrubado, desta vez por uma árvore carregada pelo temporal. Concordo com o colega Hélio Schwartsma­n que apenas fiscalizaç­ão não é solução, precisamos criar uma cultura de segurança mais orgânica. Este é o problema: como combater a cultura do improviso se o brasileiro é o rei da gambiarra?

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