Jornalista filipina premiada é presa acusada de difamação por reportagem
“Eu já fui correspondente de guerra. É fácil, comparado ao que estamos lidando hoje”, disse a jornalista filipina Maria Ressa à revista Time, que a nomeou “Pessoa do Ano” em 2018 por sua luta pela liberdade de imprensa.
Fundadora do Rappler, um site de notícias conhecido por reportagens que investigam o governo do presidente Rodrigo Duterte, Ressa foi presa nesta quarta (13), em mais um caso judicial de uma série contra adversários do governo.
A jornalista foi acusada de “difamação virtual” por um artigo de 2012, atualizado em 2014, que relacionou um empresário a assassinatos e tráfico de pessoas e de drogas, com base em informações de um relatório de inteligência. Ela está sujeita a 12 anos de prisão.
Ressa foi detida na sede do Rappler e deu entrevista ao chegar à polícia, em Manila. “As pessoas precisam saber que uma linha foi cruzada”, disse.
O porta-voz da Presidência, Salvador Panelo, afirmou ao canal ANC que a fundadora do Rappler não está sendo punida por seu trabalho. “Isso não tem nada a ver com liberdade de expressão ou de imprensa.”
O governo negou um pedido de liberdade sob fiança, e Ressa passou a noite na prisão.
Nesta quarta, logo após a prisão, perfis no Facebook alinhados a Duterte eram uma explosão de “schadenfreude”.
“Estamos felizes que Maria Ressa se deu mal. Não é #liberdadedeimprensa? Então, estamos falando”, dizia post do perfil Duterte Today, que costuma chamá-la de “presstitute” (trocadilho em inglês com as palavras imprensa e prostituta).
Antes de fundar em 2012 o Rappler, Ressa trabalhou durante quase duas décadas na CNN —em Manila e Jacarta (Indonésia). Tornou-se uma das mais respeitadas jornalistas cobrindo extremismo no sudeste da Ásia e escreveu dois livros sobre a atuação da Al Qaeda na região.
Sua prisão foi condenada pela União Nacional de Jornalistas das Filipinas, que denuncia um ato de “perseguição” por parte do governo.
“Talvez a figura mais importante da imprensa livre no mundo hoje”, disse no Twitter o crítico Jay Rosen, professor de jornalismo da NYU.
Como outros meios de comunicação locais, o Rappler entrou na mira do presidente Rodrigo Duterte pela cobertura crítica da guerra às drogas —que, segundo entidades de direitos humanos, deixou mais de 12 mil mortos desde 2016.
Ressa e sua equipe têm sido alvo sistemático de intimidação online e processos judiciais em série. Duterte chamava o Rappler de “fake news” e cassou a credencial da repórter do site que cobria a presidência.
Segundo Ressa, Duterte conta com um exército de trolls patrióticos na internet que fazem intimidação de ativistas, jornalistas e opositores.
A reportagem da Folha esteve com a jornalista em dezembro, no Doha Forum. Ela contou que, até o último minuto, não sabia se o governo a deixaria embarcar para a palestra. “Vivo sabendo que, no dia seguinte, o governo pode resolver confiscar meu passaporte ou me prender”, disse.
Sua maior preocupação era um processo por sonegação fiscal movido pelo governo, que argumenta que Ressa não declarou um investimento estrangeiro recebido em 2015. Ela diz que o julgamento é político.
“Após manipular a opinião pública pelas redes sociais, ele usa o mundo real para reprimir jornalistas e adversários e transforma a Justiça em arma”, afirmou à Folha.
As Filipinas estão no 133º lugar entre 179 países classificados no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2018.