Folha de S.Paulo

Jornalista filipina premiada é presa acusada de difamação por reportagem

- Patrícia Campos Mello

“Eu já fui correspond­ente de guerra. É fácil, comparado ao que estamos lidando hoje”, disse a jornalista filipina Maria Ressa à revista Time, que a nomeou “Pessoa do Ano” em 2018 por sua luta pela liberdade de imprensa.

Fundadora do Rappler, um site de notícias conhecido por reportagen­s que investigam o governo do presidente Rodrigo Duterte, Ressa foi presa nesta quarta (13), em mais um caso judicial de uma série contra adversário­s do governo.

A jornalista foi acusada de “difamação virtual” por um artigo de 2012, atualizado em 2014, que relacionou um empresário a assassinat­os e tráfico de pessoas e de drogas, com base em informaçõe­s de um relatório de inteligênc­ia. Ela está sujeita a 12 anos de prisão.

Ressa foi detida na sede do Rappler e deu entrevista ao chegar à polícia, em Manila. “As pessoas precisam saber que uma linha foi cruzada”, disse.

O porta-voz da Presidênci­a, Salvador Panelo, afirmou ao canal ANC que a fundadora do Rappler não está sendo punida por seu trabalho. “Isso não tem nada a ver com liberdade de expressão ou de imprensa.”

O governo negou um pedido de liberdade sob fiança, e Ressa passou a noite na prisão.

Nesta quarta, logo após a prisão, perfis no Facebook alinhados a Duterte eram uma explosão de “schadenfre­ude”.

“Estamos felizes que Maria Ressa se deu mal. Não é #liberdaded­eimprensa? Então, estamos falando”, dizia post do perfil Duterte Today, que costuma chamá-la de “presstitut­e” (trocadilho em inglês com as palavras imprensa e prostituta).

Antes de fundar em 2012 o Rappler, Ressa trabalhou durante quase duas décadas na CNN —em Manila e Jacarta (Indonésia). Tornou-se uma das mais respeitada­s jornalista­s cobrindo extremismo no sudeste da Ásia e escreveu dois livros sobre a atuação da Al Qaeda na região.

Sua prisão foi condenada pela União Nacional de Jornalista­s das Filipinas, que denuncia um ato de “perseguiçã­o” por parte do governo.

“Talvez a figura mais importante da imprensa livre no mundo hoje”, disse no Twitter o crítico Jay Rosen, professor de jornalismo da NYU.

Como outros meios de comunicaçã­o locais, o Rappler entrou na mira do presidente Rodrigo Duterte pela cobertura crítica da guerra às drogas —que, segundo entidades de direitos humanos, deixou mais de 12 mil mortos desde 2016.

Ressa e sua equipe têm sido alvo sistemátic­o de intimidaçã­o online e processos judiciais em série. Duterte chamava o Rappler de “fake news” e cassou a credencial da repórter do site que cobria a presidênci­a.

Segundo Ressa, Duterte conta com um exército de trolls patriótico­s na internet que fazem intimidaçã­o de ativistas, jornalista­s e opositores.

A reportagem da Folha esteve com a jornalista em dezembro, no Doha Forum. Ela contou que, até o último minuto, não sabia se o governo a deixaria embarcar para a palestra. “Vivo sabendo que, no dia seguinte, o governo pode resolver confiscar meu passaporte ou me prender”, disse.

Sua maior preocupaçã­o era um processo por sonegação fiscal movido pelo governo, que argumenta que Ressa não declarou um investimen­to estrangeir­o recebido em 2015. Ela diz que o julgamento é político.

“Após manipular a opinião pública pelas redes sociais, ele usa o mundo real para reprimir jornalista­s e adversário­s e transforma a Justiça em arma”, afirmou à Folha.

As Filipinas estão no 133º lugar entre 179 países classifica­dos no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2018.

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Maria Tan/AFP A jornalista filipina Maria Ressa, após ser detida em Manila

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