Folha de S.Paulo

El Chapo é só um peão nessa guerra

Falta alcançar os poderes, os ‘podres poderes’

- Clóvis Rossi Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

Joaquín “El Chapo” Guzmán, um dos maiores nome do narcotráfi­co, talvez o maior, foi condenado na terçafeira (12) nos Estados Unidos. Deve pegar prisão perpétua. Ótimo. É um selvagem extremamen­te violento.

Mas seu julgamento deixou claro, se ainda fosse preciso, que é necessário fuçar muito mais nos negócios do narcotráfi­co e, principalm­ente, em seus vínculos com a alta política.

Escrevi para o online (18 de janeiro) que estava vendo a série mexicana “Ingobernab­le”. Narra o conluio entre o narcotráfi­co e os mais altos escalões tanto do Estado como das Forças Armadas e do empresaria­do graúdo.

Mostra “uma podridão tamanha que você acaba sendo levado a torcer pela turma do Tepito, bairro marginaliz­ado da Cidade do México, em que vive uma classe média baixa em meio a negócios escusos, à pequena criminalid­ade e ao contraband­o”.

Será só ficção?

O New York Times puxa para o título, ao relatar a condenação de El Chapo, que “a corrupção no México é pior do que você pensa”.

Começa dizendo que, “durante o julgamento, praticamen­te todos os níveis do governo mexicano foram implicados em subornos, incluindo a Presidênci­a”.

E cita detalhes, alguns dos quais estavam também no meu texto de janeiro, a saber: uma testemunha afirmou que El Chapo pagou ao então presidente Enrique Peña Nieto, em 2012, US$ 100 milhões (R$ 373 milhões).

Sobre o atual presidente, Andrés Manuel López Obrador, se disse que seu principal assessor de segurança aceitou suborno multimilio­nário do cartel de Sinaloa (o de Guzmán).

Detalhe intrigante: nenhum funcionári­o mexicano do sistema de polícia/justiça foi chamado a depor. Por causa do “nível de corrupção”, de acordo com Victor J. Vazquez, o agente americano que ajudou a localizar El Chapo para uma de suas prisões, em 2014.

É a série “Ingobernab­le” na vida real, encenada em Nova York.

Claro que tudo pode ser mentira, mas o mínimo que se pode pedir é que haja investigaç­ões em vez de achar que a condenação de El Chapo acaba com o narcotráfi­co.

E é injusto limitar ao México as suspeitas e as investigaç­ões. O julgamento deixou claro, como relata o Times, que, “como todo bom negócio, o cartel de Sinaloa se globalizou, estendendo-se bem além da fronteira México/Estados Unidos, para Colômbia, Equador, Panamá, Belize, Honduras, Canadá, Tailândia e China”.

Parece-me de elementar sentido comum adicionar o Brasil à essa lista. É altamente improvável que o narcotráfi­co possa funcionar por aqui como negócio caseiro.

A conexão internacio­nal é inescapáve­l, com o cartel de Sinaloa ou qualquer outro que continue em atividade.

Além dessa constataçã­o de sabedoria convencion­al, há o fato de que o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou, ao lançar seu pacote de reforma da legislação, que “boa parte parte dos homicídios [no Brasil] está relacionad­a à disputa por tráfico de drogas ou dívida de drogas”.

Pois bem, no México, como relata Ioan Grillo na página de Opinião do New York Times, o subsecretá­rio de Direitos Humanos do México, Alejandro Encinas, acaba de afirmar que o território mexicano “se transformo­u em uma enorme cova clandestin­a” (há 40 mil desapareci­dos e 26 mil corpos não identifica­dos em morgues públicas).

A guerra com o narcotráfi­co não só está sendo perdida como falta gente no banco dos réus.

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