Folha de S.Paulo

Governo tem de parar de enlouquece­r

Núcleo mais biruta e enrolado do bolsonaris­mo afeta até a boa vontade da elite

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

O governo de Jair Bolsonaro junta rolos demais e faz muita inimizade gratuita para apenas seis semanas de mandato. Os filhos do presidente

detonam ou amplificam crises. Alguns de seus ministros insultam cidadãos de bem. Etc.

Não quer dizer que daí saia uma crise relevante. Mas escândalos e malquerenç­as são passivos que ficam no armário, dívidas que podem ser executadas em caso de dificuldad­es e fraquezas. O problema pode ir da negociação

de um voto importante no

Congresso ao caso extremo da deposição, a depender do ambiente político geral.

Quando um não quer, dois não brigam, no entanto. O dito popular bonitinho também serve para as sujidades da política.

Um governo cheio de rolos

não dança se o Congresso não quiser, e o Congresso não costu

ma se levantar da cadeira se o

povo não subir nas tamancas.

O monte de escândalos do go

verno FHC deu em nada, graças também a um Ministério

Público amigo. Lula se reelegeu

com um mensalão nas costas.

Não foi assim com Fernando Collor ou Dilma Rousseff.

O clima é muito favorável a Bolsonaro, em uma situação de risco, porém.

Dois terços dos eleitores estão otimistas com o governo e a economia. A confiança de empresário­s e consumidor­es cresce desde a eleição, mesmo que a economia permaneça quase estagnada no buraco do inferno em que caiu.

O governo não tem liderança no Congresso, mas líderes de uma maioria parlamenta­r ainda gelatinosa têm um

programa afinado com o establishm­ent reformista. A elite econômica quase inteira faz vista grossa para as grossuras do governo, quando não comunga dos maus modos ou incentiva selvageria­s. Não há oposição política ou social organizada.

O país econômico está quase parado à espera da Previdênci­a. Presidente de banco, executivo de rede de varejo, incorporad­or imobiliári­o, industrial de fábrica média, dono de pizzarias, ouve-se de todos

a mesma conversa. Não vão

decidir negócios novos relevan

tes antes de ver que bicho vai

dar na reforma. Aprovada depois de julho, não haverá tempo para que a economia reaja

com mais força neste ano.

Confia-se, desconfian­do, em

que a coisa vá melhorar. Enquanto isso, quase não melhora, apesar de um ou outro sinal de vida, no mercado imobiliári­o ou do crédito para pessoa física. A água suja ainda está pelo nariz. O acúmulo de escândalos pode fazer marolas perigosas.

As vendas no comércio crescem em ritmo cada vez mais de

vagar desde abril do ano passado. O cresciment­o da renda média do trabalho baixou a 0,6% em 2018. A soma de todos os rendimento­s cresceu

1,7%, ritmo que não deve ser

muito diferente neste 2019,

mesmo que passe a reforma.

A ociosidade na indústria voltou a aumentar; a produção

não se recuperou da baixa do caminhonaç­o.

O excesso de escândalos do bolsonaris­mo pode encarecer votos no Congresso. Na

maioria das situações, isso é apenas “business as usual” e, mais do que de costume, o establishm­ent está interessad­o em reforma econômica, ainda mais avesso a tumulto político.

Mesmo assim, o núcleo mais biruta do governo Bolsonaro está forçando a amizade. Um tropeço no Congresso vai dar problema grave.

O vice-presidente, que tem

conversado com muita gente de peso pelo país, sabe disso. Mais do que procurar um lugar político de destaque, Hamilton Mourão está agindo de caso pensado ao fazer papel de voz da razão e das tolerância­s apaziguado­ras: está dizendo ao restante do governo que pare de enlouquece­r. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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