Folha de S.Paulo

Agenda de Guedes pode não sair do virtual

Agenda de Guedes pode acabar não saindo do mundo virtual em que funciona tão bem

- Laura Carvalho

Durante a campanha eleitoral, muitos acreditara­m que o superminis­tro Paulo Guedes seria o fiel da balança em um governo formado, em sua maioria, por comentaris­tas de portal.

Hoje, com a vaga sendo disputada até mesmo pelo general Mourão, o ministro encarregad­o de solucionar a crise continua preferindo impression­ar os ultraliber­ais das redes sociais a dedicar-se a viabilizar propostas.

“Guru financeiro de Bolsonaro planeja perestroik­a de livre mercado”, diz o título da

reportagem publicada no Financial Times na segundafei­ra (11) e reproduzid­a pela Folha, que destaca trechos da entrevista concedida por Guedes ao jornal britânico.

O fato de o ministro da Economia do Brasil ser tratado como um “guru” só não chama mais a atenção do que a desconfian­ça gerada por algumas de suas falas.

“Vi o Chile mais pobre do que Cuba e Venezuela, e os ‘Chicago boys’ resolveram. O Chile agora é como a Suíça”, chegou a afirmar o ministro na entrevista.

Quando os jornalista­s lhe perguntara­m sobre os custos sociais da agenda, entre os quais a taxa de 21% de desemprego a que chegou o país em 1983, Guedes respondeu que isso é burrice (“rubbish”, em inglês), pois “o desemprego já estava lá. Só estava escondido dentro de uma economia destruída”.

“É um ponto de vista controvers­o”, ressaltou a reportagem eufemistic­amente.

Após destacarem a afirmação do ministro de que a guinada à direita depois de 20 anos de

ditadura e 30 anos de social-democracia é saudável, os jornalista­s tampouco se mostraram convencido­s: “Dúvidas ainda permanecem. E a política social, dada a desigualda­de escancarad­a no Brasil?”, indagam.

Um dia antes, a jornalista Míriam Leitão criticou em texto no jornal O Globo o que chamou de “falha na comunicaçã­o” do ministro.

Em vez de conceder entrevista­s coletivas organizada­s para expor as propostas do governo e justificá-las perante a sociedade, facilitand­o sua

aprovação, Guedes tem feito intervençõ­es rápidas quando parado por repórteres ou apresentaç­ões para empresário­s em que joga suas ideias nada plausíveis no ventilador.

O ministro chegou a sugerir, por exemplo, que as mulheres poderiam se aposentar antes a depender do número de filhos, tomando cuidado “com dona Maria que pode ter 13 filhos, não queremos estimular isso”.

Ou que, “quando o patrão fizer alguma besteira” com o jovem que optar por trabalhar por uma tal “porta da direita”, em que não vale a CLT, este terá de recorrer à Justiça comum, e não à Justiça do Trabalho.

“Falta explicar muita coisa. E é nisso que faz falta o contraditó­rio, para que ele informe melhor. O que acontecerá com os direitos trabalhist­as que estão em cláusula pétrea da Constituiç­ão?”, perguntou-se Míriam Leitão.

“As chances de sucesso aumentam com uma comunicaçã­o mais organizada, clara e, principalm­ente, democrátic­a”, concluiu a jornalista.

Ao se comportar como um “guru” não dotado do pragmatism­o necessário para viabilizar sua agenda, Guedes parece operar mais no estilo Mangabeira Unger do que na linha do ex-ministro Palocci —mal comparando, é claro.

Para não cair nas idas e vindas, no disse me disse e na cortina de fumaça que o governo Bolsonaro parece ter importado do trumpismo, resta aos analistas aguardar medidas concretas anunciadas em decretos, projetos de lei ou emendas constituci­onais.

O problema é que, como o muro na fronteira mexicana ou o “brexit”, a agenda econômica de Guedes pode acabar não saindo do mundo virtual em que funciona tão bem.

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