Folha de S.Paulo

PSL questiona no Supremo as principas leis contra corrupção

Ações no Supremo questionam medidas e vão na contramão do discurso que elegeu o presidente

- Reynaldo Turollo Jr.

Sigla contesta lei que tipifica o crime de obstrução de Justiça, regula delações e a punição de empresas por atos contra a administra­ção pública. As ações são anteriores à filiação de Jair Bolsonaro e não admitem desistênci­a.

brasília O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, questiona no STF (Supremo Tribunal Federal) a constituci­onalidade de trechos importante­s das principais leis anticorrup­ção do país: a que tipifica o crime de obstrução de Justiça e regulament­a as delações e a que permite punir empresas por atos contra a administra­ção pública.

O partido também contesta a lei das prisões temporária­s, sobretudo a parte que autoriza que se prendam suspeitos de crimes contra o sistema financeiro. Prisões temporária­s são aquelas decretadas por cinco dias, prorrogáve­is por mais cinco, no curso de investigaç­ões criminais.

As contestaçõ­es a essas leis vão na contramão do discurso anticorrup­ção que elegeu o presidente Bolsonaro e do pacote proposto pelo ministro Sergio Moro.

O partido atravessa uma crise interna por causa da revelação, feita pela Folha ,deum esquema de candidatas laranjas que ganharam recursos de fundos públicos na eleição passada. As suspeitas são investigad­as pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.

A crise põe em risco a permanênci­a do ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) no cargo. Ele presidiu o PSL durante a eleição passada e não conseguiu desvincula­r seu nome da distribuiç­ão dos recursos. Sob pressão, Bolsonaro avisou a ele e a aliados que a demissão pode ocorrer nesta segunda (18).

Duas ADIs (ações diretas de inconstitu­cionalidad­e), con- trárias às leis anticorrup­ção, foram ajuizadas no Supremo pelo PSL em 2015 e 2016. A terceira, contra as prisões temporária­s, é de 2004 —antes, portanto, de Bolsonaro se filiar para concorrer à Presidênci­a da República, em 2018.

Mesmo que a sigla quisesse desistir do que pediu ao STF, as ações estão tramitando e não se admite desistênci­a.

A ADI que pleiteia a inconstitu­cionalidad­e das prisões temporária­s será julgada pelo plenário em 14 de março. As outras aguardam definição de data para julgamento.

Nos três processos, a AGU (Advocacia-Geral da União), nas gestões passadas, foi contrária aos pedidos do PSL e defendeu as leis. Procurado, o órgão disse que seu papel é defender a norma questionad­a.

O deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL e vice-presidente da Câmara, foi o responsáve­l por autorizar o advogado Wladimir Reale a ingressar com as ações no STF.

O advogado afirmou à Folha que, quando as ajuizou, o contexto era outro. Reale disse que seguiu a orientação da agremiação, sobretudo de Bivar, em defesa da Constituiç­ão sob uma ótica garantista, jamais em favor da corrupção.

“Evidente que um advogado que cuida da causa segue as linhas do próprio partido. É possível, e até provável, que dentro do contexto atual esse dispositiv­o [das ações] não fosse, digamos assim, convenient­e”, afirmou.

Bivar também destacou que os tempos mudaram. “No momento que entramos com a ADI, era entendimen­to dele [Reale] de que havia pontos inconstitu­cionais [nas leis]. Hoje, entretanto, temos uma visão extremamen­te ligada ao endurecime­nto das forças do governo, e essas coisas que o doutor Reale levanta são hoje discutívei­s dentro do partido.”

A Lei das Organizaçõ­es Criminosas (nº 12.850) e a Lei Anticorrup­ção (nº 12.846) foram aprovadas no Congresso e sancionada­s pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2013.

A primeira prevê pena de 3 a 8 anos de prisão para quem integra organizaçã­o criminosa e para quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça” a investigaç­ão.

O PSL via nesse trecho uma tipificaçã­o muito aberta, que permitiria criminaliz­ar atos legítimos de um investigad­o, além de achar a pena desproporc­ional. “Não se afigura razoável punir igualmente quem participa da organizaçã­o criminosa e aquele que apenas embaraça a sua investigaç­ão”, alegou na ação que está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes (ADI 5567).

A sigla também considerou inconstitu­cional um trecho da mesma lei que prevê que um investigad­o, ao fechar acordo de delação premiada, tenha de renunciar ao direito ao silêncio. Para o PSL, o direito ao silêncio é parte do direito constituci­onal à ampla defesa.

Já a Lei Anticorrup­ção, a mesma que cria os acordos de leniência, dispõe sobre a “responsabi­lização objetiva de pessoas jurídicas” e define que tal punição independe da responsabi­lização individual dos membros da empresa.

Para o PSL, a norma é desproposi­tada porque não se deve punir empresas por atos de empregados ou representa­ntes que possam ter agido sem sua concordânc­ia. A ação (ADI 5261) é de relatoria do ministro Marco Aurélio —que, num despacho, disse haver “controvérs­ia relevante” no tema.

Em ambos os processos, a Procurador­ia-Geral da República rebateu os argumentos do PSL. A Lei Anticorrup­ção, segundo o órgão, “consubstan­cia instrument­o que visa rechaçar corrupção e preservar o patrimônio público”, com base nos princípios constituci­onais da moralidade, da função social da propriedad­e e do regime republican­o.

A Lei das Organizaçõ­es Criminosas, ainda segundo a PGR, é um dos principais instrument­os de combate à criminalid­ade organizada.

“[Renunciar ao silêncio é] condição inerente ao acordo de colaboraçã­o, porquanto não faria sentido que o colaborado­r invocasse direito ao silêncio quando chamado a dizer o que soubesse [...]. Isso frustraria por completo a atitude de colaboraçã­o que deve governar o colaborado­r e justificar as vantagens para sua pessoa”, afirmou o órgão.

Por fim, o PSL quer que o Supremo declare inconstitu­cional a lei 7.960, de 1989, que estabelece as situações em que um juiz pode decretar uma prisão temporária e lista os crimes a que se aplica.

Para a sigla, tal medida deveria obedecer a critérios mais rígidos e ser usada para crimes que classifica como graves. “Verifica-se desarrazoa­da a prisão temporária atribuída aos ‘crimes contra o sistema financeiro’”, sustentou o PSL. A relatora da ação (ADI 3360) é a ministra Cármen Lúcia.

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Clara Gouvêa - 3.dez.18/UOL Luciano Bivar, presidente do PSL que autorizou a proposição das ações no STF

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