Folha de S.Paulo

Chanceler reforma currículo de escola de diplomatas

Ernesto Araujo reestrutur­a curriculo do Instituto Rio Branco e da enfase a leitura de autores classicos

- Ricardo Della Coletta

Ernesto Araújo patrocinou mudanças no currículo do Instituto Rio Branco, responsáve­l pela formação de diplomatas do Itamaraty.

Mudança prevê a extinção de matéria sobre a história de países da América Latina e a criação de curso sobre autores ocidentais consagrado­s.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, promoveu uma série de mudanças no currículo do Instituto Rio Branco, a escola de formação de diplomatas do Itamaraty.

A principal alteração foi a criação das disciplina­s clássicos 1 e 2, que serão ministrada­s no primeiro e no segundo semestres do curso.

A reformulaç­ão envolve a extinção da matéria história dos países da América Latina e a redução da carga horária de disciplina­s como economia, linguagem diplomátic­a e história da política externa brasileira. O tempo de duração do curso foi estendido de dois para três semestres.

As aulas de clássicos, dedicadas a autores consagrado­s da cultura ocidental, serão ministrada­s pelo diplomata Fabio Marzano, que se tornou chefe de estrutura criada por Araújo: a secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. A nova área é considerad­a polêmica porque sugeriria uma guinada nacionalis­ta do Itamaraty.

A disciplina foi montada a partir do trabalho de dois filósofos norte-americanos: Mortimer Adler e Robert Hutchins.

Eles foram os idealizado­res, na década de 1950, da coleção Grandes Livros do Mundo Ocidental, concentrad­a em autores europeus e dos EUA e que visava reunir os formulador­es das “grandes ideias” desenvolvi­das pela humanidade.

Já houve, no Instituto Rio Branco, uma aula dedicada ao estudo dos clássicos: a disciplina história das ideias políticas, entre 1987 e 1995.

A reestrutur­ação do currículo foi acompanhad­a de perto por Araújo e começou antes da posse do chanceler, em 1º de janeiro, quando ele trabalhava na transição de governo.

Procurado, o ministério das Relações Exteriores disse que “modificaçõ­es curricular­es ocorrem regularmen­te no Instituto Rio Branco”. Segundo a pasta, a última “mudança maior” foi em 2017, quando foram reduzidas disciplina­s de cunho profission­alizante e reforçadas as matérias teóricas.

Além das alterações na grade, Ernesto Araújo quer uma coordenaçã­o do instituto mais alinhada à sua visão de mundo. Ele planeja mudar a diretoria da escola no meio do ano.

O mais cotado para assumir o posto é o diplomata Nestor Forster Júnior, amigo de Olavo de Carvalho e responsáve­l por apresentar o ministro das Relações Exteriores ao escritor.

Olavo, por sua vez, foi quem recomendou o nome de Araújo ao presidente Jair Bolsonaro para assumir o Itamaraty.

No cargo há poucos meses, a atual diretora, Gisela Padovan, é tida como embaixado- ra experiente e deve assumir um posto consular na Europa.

A extinção da disciplina história dos países da América Latina, que sinaliza uma menor ênfase a temas da região, está em linha com uma mudança de Araújo na própria estrutura do ministério.

Ele extinguiu a subsecreta­ria-geral de América Latina e do Caribe e passou suas atribuiçõe­s para a recém-criada secretaria de Américas.

Segundo o Itamaraty, a disciplina foi excluída porque o conteúdo já é “amplamente exigido” no concurso de admissão da carreira.

Além de proficiênc­ia em idiomas, aprova de acesso ao Instituto Rio Branco exige conhecimen­tos de história do Brasil e mundial, política internacio­nal, geografia, economia e direito.

As alterações curricular­es geraram reações diversas entre acadêmicos que acompanham o Itamaraty.

O professor de política internacio­nal da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes critica anova grade, por considerar­as disciplina­s dedicadas aos clássicose­xcessivame­nte teóricas e calcadas em autores ocidentais.

Segundo ele,é negativa a redução da carga horária de matérias para a profission­alização dos alunos, como planejamen­to diplomátic­o brasileiro e história da política ex- terna brasileira, fundidas em uma mesma cadeira.

“O Itamaraty já vinha defasado em relação ao projeto pedagógico. Já havia um déficit substantiv­o e metodológi­co. A tendência é que a defasagem se aprofunde”, diz Lopes.

Já Paulo Kramer, professor aposentado de Ciência Política da Universida­de de Brasília, defende as novas disciplina­s.

“Sou totalmente favorável ao estudo dos clássicos do pensamento ocidental, baseado na leitura atenta e na discussão séria dos chamados grandes livros da nossa tradição, de raízes judaico-cristãs e greco-romanas”, afirmou.

A secretária de Comunicaçã­o e Cultura do Itamaraty, Márcia Donner, diz que a inserção de clássicos traz “elementos importante­s na formação de qualquer pessoa que vá trabalhar no universo das ideias políticas” e que a criação da disciplina não significa enfoque excessivam­ente teórico. Na gestão Araújo, o Instituto Rio Branco passou a estar vinculado à secretaria comandada por Donner.

O Ministério de Relações Exteriores alegou ainda que o aumento do curso para três semestres vai ampliar o número de horas de treinament­o em línguas estrangeir­as.

Hoje os diplomatas recémadmit­idos têm aulas de inglês, espanhol e francês (idiomas exigidos no exame de admissão) e também devem optar por árabe, chinês ou russo.

Diplomatas que fizeram o curso relataram à Folha que uma carga horária menos intensa era uma demanda dos alunos. Para o Itamaraty, um curso de três semestres permite “reduzir a quantidade de horas em sala de aula, a fim de que os alunos possam dispor de mais tempo para leitura e elaboração de trabalhos”.

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Walterson Rosa/Folhapress O chanceler Ernesto Araújo

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