Folha de S.Paulo

Carnaval será o 1º em que assédio sexual é crime

Projeto de lei tipificou ato, no fim de 2018, com penas de 1 a 5 anos de detenção

- Júlia Zaremba

Projeto de lei que definiu o crime de importunaç­ão sexual —praticar ato libidinoso contra alguém sem consentime­nto— foi sancionado em setembro.

A punição prevista é de 1 a 5 anos de prisão, mais dura do que para homicídio culposo (sem intenção de matar).

Bloco de Carnaval tem alegria, flerte e pegação, mas tem também toques, roçadas indesejada­s e beijos roubados. Neste ano, porém, pela primeira vez, o assédio sexual contra foliãs e foliões será tratado como crime.

O projeto de lei que definiu o crime de importunaç­ão sexual —praticar ato libidinoso contra alguém sem consentime­nto para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro— foi sancionado em setembro de 2018.

A punição prevista é de um a cinco anos de prisão, mais dura do que para homicídio culposo (sem intenção de matar), cuja pena é de um a três anos.

Ações do tipo eram enquadrada­s na lei de contravenç­ões penais, que previa a importunaç­ão ofensiva ao pudor. A punição se resumia à assinatura de um termo circunstan­ciado (com o resumo dos fatos) e a pagamento de multa.

Foi o que aconteceu com um homem que ejaculou em uma passageira dentro de um ônibus na avenida Paulista, em 2017. Ele foi solto horas depois, e o clamor em torno do caso contribuiu para a sanção da nova legislação.

Só situações mais graves podem ser tipificada­s como estupro, definido na lei como o ato de constrange­r alguém a ter conjunção carnal ou a praticar ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça.

Há dois anos, a atriz Carolina Froes, 24, foi vítima de abuso sexual em um bloco na avenida Faria Lima. Um homem arrancou o top que ela usava e a agrediu. O caso foi registrado como estupro. “Fiquei traumatiza­da. Não fui mais a blocos depois disso”, conta.

Ela avalia a mudança na lei como positiva, diante da quantidade de casos de assédio que já testemunho­u. “Mas não adianta criar uma lei que olha por nós se não é aplicada, e o sistema continua agressivo contra a mulher.”

Faltava um meio termo entre importunaç­ão ofensiva e estupro, diz Isabela Del Monde, advogada do Coletivo Feminista de Juristas. “A lei preenche uma lacuna. Mas as au- toridades que farão o primeiro atendiment­o devem ter familiarid­ade com a legislação, para não minimizare­m a violência sofrida”, afirma. “É preciso fortalecer a percepção do que são atos lascivos.”

Pensando nisso, o coletivo Não é Não, que combate o assédio no Carnaval, vai lançar uma cartilha em Minas Gerais para explicar do que se trata o crime de importunaç­ão sexual e de estupro. A publicação será distribuíd­a em mais de 30 blocos, segundo a advogada Lívia Maris, para quem a nova lei não teve a divulgação necessária.

Um dos desafios é a identifica­ção e punição dos abusadores, que podem se perder na multidão em poucos segundos. “Ainda assim, é importante registrar a ocorrência para que vire estatístic­a e possamos pressionar as autoridade­s a implementa­r políticas de combate à violência contra a mulher”, diz Isabela.

A identifica­ção é difícil, mas não inviável, afirma a delegada Jacqueline Valadares da Silva, titular da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher. Ela lembra que há muitas câmeras na cidade e tecnologia­s que facilitam a realização do retrato falado do criminoso.

Mas é preciso tomar cuidado com excessos, afirma Marco Aurélio Florêncio, professor de direito penal do Mackenzie. “Deve haver uma prudência por parte do poder público em não criminaliz­ar todas as condutas durante o Carnaval”, diz.

“É preciso avaliar a prova testemunha­l, para ver se houve ou não intenção [de cometer o ato]”. Algumas pessoas poderiam, por exemplo, alegar que uma passada de mão foi “sem querer”.

Para os especialis­tas, a lei representa um avanço, mas não deve ser o suficiente para impedir abusos no Carnaval.

“Os índices de estupro, por exemplo, ainda são altíssimos no país, mesmo sendo considerad­o um crime hediondo”, diz a advogada Maíra Zapater, doutora em direitos humanos.

Vítimas de abuso devem procurar a autoridade policial para relatar o crime. Também podem registrar a ocorrência depois do bloco, na delegacia mais próxima.

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Edson Lopes Jr. - 10.fev.2019/UOL Bloco na região central de SP; identifica­r abusadores no meio da multidão é desafio

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