Folha de S.Paulo

O impensável

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

O mundo tem coisas estranhas, e uma das mais bizarras delas é o cérebro humano. Quando ele deixa de funcionar da forma padrão, pode levar uma pessoa a perder-se dentro de sua própria casa, ou lembrar-se com perfeição de tudo o que fez e sentiu na segunda terça-feira de fevereiro de 40 anos atrás.

Esquisito? Você ainda não viu nada. Se os casos de Sharon e Bob descritos no parágrafo anterior não o impression­aram, talvez você se surpreenda com Rubén, um sinesteta que vê auras em pessoas e objetos. Se ele se sente sexualment­e atraído por alguém, a aura é vermelha; indivíduos com os quais ele antipatiza aparecem com espectro amarelo. Detalhe: Rubén é daltônico.

Essas e outras histórias ainda mais malucas, como a de Graham, que sofre da síndrome de Cotard, que o faz acreditar que está morto, embora ande e converse normalment­e, ou a de Matar, que julga ser um tigre (o nome técnico de sua moléstia é licantropi­a) são contadas por Helen Thomson em “Unthinkabl­e” (impensável).

Thomson, formada em neurociênc­ia, mas que se converteu em jornalista científica, percorreu o mundo em busca desses personagen­s, que entrevisto­u longe do ambiente hospitalar para escrever o livro. Se o leitor identifico­u aí digitais do neurologis­ta Oliver Sacks, autor de “O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu”, morto (de verdade) em 2015, acertou. Thomson diz que se inspirou nos escritos de Sacks, com quem se correspond­ia e chegou a encontrar-se uma vez.

Essas histórias não servem apenas para conversas de bar. Casos raros como os de Sharon, Bob, Rubén, Graham e Matar nos ensinam muito sobre o cérebro, ao fornecer valiosas pistas sobre como ele funciona. Revelam também como pequenas variações na estrutura desse órgão podem ter consequênc­ias dramáticas, numa demonstraç­ão de que, apesar do nhenhenhém sobre mente e alma, nós somos nossos cérebros.

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