Folha de S.Paulo

Acendeu-se o sinal laranja

Investigaç­ão irretocáve­l e solitária da Folha leva à iminente queda de ministro

- Paula Cesarino Costa

Uma sequência de reportagen­s publicadas desde o início de fevereiro exclusivam­ente pela Folha provocou a maior crise do governo Bolsonaro e culminou com a iminente queda do ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), homem forte da campanha presidenci­al de 2018.

Investigaç­ão detalhada e persistent­e revelou que o PSL, partido de Bolsonaro, adotou práticas irregulare­s na destinação de verbas do fundo partidário e eleitoral, utilizando candidatas-laranjas e empresas-fantasmas. Presidente da legenda durante a campanha, Bebianno era o responsáve­l formal pelos repasses.

A primeira das reportagen­s (publicada no dia 4) envolvia o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em um esquema de quatro candidatas­laranjas que receberam R$ 279 mil da verba pública da legenda e, juntas, receberam cerca de 2.000 votos. Pelo menos R$ 85 mil foram destinados a quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro.

Outras reportagen­s relevantes em sequência ampliaram a crise, como a que mostrou que o grupo do atual presidente do partido, Luciano Bivar, destinou R$ 400 mil para uma candidata fantasma, a apenas quatro dias da eleição, tendo esta recebido 274 votos, com o dinheiro sendo desviado para uma gráfica-fantasma.

A Polícia Federal e o Ministério Público abriram investigaç­ões e a situação do ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a começou a se complicar.

A Folha apurou que Bolsonaro teria se recusado a atender um telefonema dele. Bebianno contestou, dizendo ao “Globo” que havia falado três vezes com o presidente. Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, desmentiu o ministro e postou nas redes sociais áudio em que o pai se negava a ter conversas naquele momento. Bolsonaro também disse à Record que Bebianno mentira.

Na guerra de áudios, o então ministro vazou para a revista Veja e para o site Antagonist­a conversas com o presidente, o que teria sido, enfim, a gota d´água para sua saída.

Depois de conversas, encontros e desencontr­os, Bebianno amanheceu no sábado (16) praticamen­te fora do governo. Ponto para a Folha, que iniciou a investigaç­ão e a manteve no noticiário sem que os concorrent­es se envolvesse­m nela.

Até que a acusação de Carlos contra Bebianno implodisse o governo, O Estado de S. Paulo e O Globo noticiaram o uso de laranjas na campanha apenas discretame­nte em suas versões digitais. Quando a crise saiu do campo ético para se tornar crise de governo, os dois principais concorrent­es dedicaram espaço em suas versões impressas ao caso, que por fim chegou até o Jornal Nacional, principal noticiário da Rede Globo.

Como já escrevi aqui, o objetivo dos jornalista­s não deve ser derrubar ministros, mas sua obrigação é investigar o poder, cobrar e desnudar aqueles que ocupam cargos públicos. No caso em questão, a Folha teve comportame­nto irretocáve­l. O jornal levou adiante investigaç­ão própria, com rigor técnico e equilíbrio.

Parece bastante significat­ivo que a família Bolsonaro não tenha reagido nas redes sociais às revelações sobre as candidatas-laranjas e os desvios de verba pública. Da mesma forma, leitores simpáticos ao presidente Bolsonaro que me escrevem com frequência silenciara­m. Sinal de que o jornal fez trabalho de qualidade.

Houve quem comparasse os milhares de reais envolvidos com os milhões investigad­os pela Operação Lava Jato em

desvios de políticos de diversas legendas, do PT ao PSDB, passando por MDB, PP, PR e outros menos cotados. Um argumento é suficiente para derrubar tal queixa: ética e comportame­nto legal não têm limite mínimo de valores.

Um leitor cobrou do jornal que mostrasse se as candidatur­as de laranjas do PSL não poderiam ser o “modus operandi” também de outros partidos.

Na sexta (15), a Folha publicou reportagem, feita a partir do cruzamento de dados da Justiça Eleitoral, que indicava que a prática de criar candidatos­laranjas não é exclusiva do PSL.

Segundo a apuração, 53 candidatos (49 mulheres) de 14 partidos diferentes receberam mais de R$ 100 mil e tiveram menos de mil votos.

Há casos como o de uma candidata estadual do DEM no Acre que recebeu R$ 279, 6 mil e teve 6 votos ou o de outra do PR da Paraíba que teve R$ 1 milhão e conseguiu 491 votos.

A determinaç­ão da Justiça Eleitoral de que 30% da verba seja destinada a candidatur­as de mulheres faz com elas sejam a maioria dos fantasmas.

No mesmo dia, o Jornal Nacional também divulgaria levantamen­to muito semelhante.

A maioria dos brasileiro­s levou ao poder um candidato e um grupo político que prometia ser diferente de tudo o que está aí. A investigaç­ão da Folha dá elementos que indicam que não é bem assim.

Isso não exime o jornal de continuar a cobrir e discutir as propostas do novo governo de forma crítica e equilibrad­a.

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Carvall

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