Folha de S.Paulo

O poder do plural

Sabe-se quanto Bolsonaro não mandará, mas não quanto poder os filhos terão

- Janio de Freitas Jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha

Uma pergunta que não se deve fazer: afinal, quem é que manda? Consta que embaraçar o interlocut­or, mesmo nos novos costumes, continua sendo indelicado. E frustrar a curiosidad­e é um mal inexpressi­vo, na bagunça de males corrosivos em que estamos imersos. A rigor, nem haveria resposta com razoável firmeza.

Certo, que prescinda de comprovaçã­o, já tantas de conhecimen­to geral, só o fato de que quem deveria mandar é o único que não manda. Por ignorância impenetráv­el do que não seja vulgarment­e rasteirinh­o. De direito, é seu o poder de decisão, de mando, de rumos. Esses e outros poderes, porém, desde a posse do presidente estiveram de fato e sem direito com um vereador e um deputado, Carlos e Eduardo, em razão do sobrenome e desrazão, digamos, mental. O pai submetese, obediente e confiante, ao que presume serem a capacitaçã­o e a lucidez dos filhos.

A incompatib­ilidade que pressionou pela exoneração de Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidênci­a, foi com o filho vereador. O pai apenas seguiu o disposto por Carlos, aparentand­o como seu o desejo de que o secretário se exonerasse depois de chamado por Carlos de mentiroso, em público. Em contraste com essa ruptura, ao tempo mesmo em que a pressão transborda­va e parecia vitoriosa, o comentário pedido por jornalista­s ao vice Hamilton Mourão recebia resposta sucinta e direta: “Vamos pacificar isso”. A situação negava sentido à frase.

Mas as três palavras antecipara­m os passos do episódio. Bebianno, que se recusara à demissão, de repente teve a permanênci­a comunicada por vários do governo. Preparava-se até um encontro seu com Bolsonaro. Por seu lado, Carlos, poder máximo e inquestion­ável, expunha na sua derrota a entrada de um poder que decidia sair do lusco-fusco, com todo o inconvenie­nte que isso possa lhe trazer.

A explicação para a reviravolt­a já viera com o plural e a decisão presentes no “vamos pacificar isso”. Tudo o que o poderoso de direito e o poderoso de fato estabelece­ram foi, em poucas horas, repelido e voltado contra eles. Por quem e como? O “vamos” não foi plural majestátic­o: era a forma verbal de alguém que não fala por políticos, mas por um grupo de “unidos e coesos”, como diz o impreciso lugar-comum dos militares. E a “pacificaçã­o” não decorreu de reuniões, debates e concordânc­ias ao final. O pouco tempo em que a permanênci­a de Bebianno foi reabilitad­a é típico de decisão comunicada para ser posta em prática.

Daqui por diante, sabe-se quanto Bolsonaro não mandará, mas não se sabe quanto o poder dos filhos guardará ainda da sua força. Não dependente disso, se os generais voltam à influência no lusco-fusco ou participam com mais clareza, é uma incógnita, com muitas consequênc­ias nos dois casos.

O encontro de Bebianno e Bolsonaro foi nova marcha à ré, direção, pelo visto desde a posse, que merece a predileção do pai. Carlos tem o apelido de pit-bull e o justifica. Enquanto Bebianno está enfraqueci­do por ter explicaçõe­s a dar sobre verbas de campanha do PSL. Embora, é verdade, como chefe da campanha de Bolsonaro tenha entrado na categoria dos que sabem muito de muita coisa — e isso, no câmbio livre, tem alta cotação. A “crise” não tornou mais clara a posse do poder, entre três filhos e um batalhão de generais.

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