Folha de S.Paulo

Punição para crime eleitoral esbarra em lei frágil e pouca estrutura

Fraudes como o uso de candidatas laranjas podem nem ser apuradas devido a prazo exíguo para contestaçã­o

- Mario Cesar Carvalho

Lei fraca, prazos exíguos para investigar e falta de braços para fazer a apuração. É esse o triângulo das Bermudas da legislação eleitoral, segundo especialis­tas, que transforma em raridade a punição de partidos que recorrem a laranjas para cumprir a cota de candidatas mulheres, de 30%, ou usam essa reserva para desviar recursos do fundo eleitoral.

A legislação brasileira é tão desdentada e cheia de lacunas que, se ficar comprovado que o então presidente do PSL, Gustavo Bebianno, cometeu fraude com recursos do fundo partidário, nada acontecerá com ele na Justiça eleitoral, ainda de acordo com especialis­tas ouvidos pela Folha. Bebianno só terá uma punição mais dura se ficar comprovado que ele cometeu crime.

Hoje na berlinda no governo, ele presidiu o PSL, coordenou a campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro e foi nomeado ministro da Secretaria-Geral da Presidênci­a. A Folha revelou no último domingo (10) que Bebianno liberou R$ 400 mil para uma candidata a deputada em Pernambuco que teve 274 votos. Há suspeitas de que os valores tenham sido desviados.

O ministro do Turismo, Marcelo Alvaro Antônio (PSL), também está sob suspeição de ter patrocinad­o candidatur­as de fachada em MG. Quatro candidatas receberam recursos públicos, os quais acabaram em empresas dos familiares do político.

“A Justiça eleitoral é risível e foi feita para não punir ninguém. Os prazos são muito curtos”, diz Walber Agra, professor da Universida­de Federal de Pernambuco, que obteve o título de livre-docente na USP com uma tese sobre financiame­nto de campanha.

O prazo para contestaçã­o das contas é de 15 dias após a diplomação do candidato, cujo prazo final é 19 de dezembro. Ou seja, na segunda quinzena de janeiro já não era possível fazer qualquer questionam­ento.

No caso das suspeitas sobre os laranjas do PSL, a lei é generosa com presidente­s de partido, de acordo com Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Universida­de Mackenzie. “A legislação não prevê a responsabi­lidade objetiva do presidente do partido na distribuiç­ão de verbas. Só haverá punição se ficar comprovado que o presidente do PSL sabia que era uma fraude e participou dela como coautor”, afirma.

São Paulo tem dois casos em que houve punição pelo uso de laranjas, em Santa Rosa do Viterbo e Cafelândia. Em agosto de 2017, o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) cassou o registro de 22 candidatos a vereador pelo uso de candidatas laranjas no ano anterior. Entre os cassados havia dois vereadores eleitos, do Solidaried­ade e do Partido de Mobilizaçã­o Nacional.

Em Cafelândia, foram cassados os diplomas de 20 candidatos a vereador pela coligação PR-PTB em novembro de 2017. Oito deles não podem disputar eleições por oito anos.

Casos similares ao de Santa Rosa do Viterbo e Cafelândia têm sido arquivados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), segundo Luciana Ramos, professora do curso de direito da Fundação Getulio Vargas e coordenado­ra da pesquisa Democracia e Representa­ção Feminina.

O argumento do TSE para não julgar as candidatur­as laranjas é que essa corte não analisa provas, mas apenas questões legais, como ocorre com todo tribunal superior. “Por causa desse argumento bizarro não há jurisprudê­ncia sobre as candidatur­as laranjas”, afirma Ramos.

A promotora Vera Taderti, que atua na Justiça eleitoral, monitorou as candidatur­as femininas nas últimas eleições e encontrou casos em que o dinheiro do fundo partidário não era usado por mulheres. “O desvio de recurso para o partido é uma novidade de 2018 porque foi criada uma cota para mulheres no fundo eleitoral”, afirma Taderti.

Se o partido tiver 50% de candidatas mulheres, elas

“Há um vácuo legal para punir crimes eleitorais, e o maior exemplo é que não existe norma legal para penalizar o caixa dois Filippe Lizardo professor de direito eleitoral do Instituto de Direito Público

A Justiça eleitoral é risível e foi feita para não punir ninguém. Os prazos são muito curtos Walber Agra professor da UFPE (federal de Pernambuco)

poderiam usar até metade dos recursos do fundo. “Os partidos escolhem mulheres que nem sabem o que faz uma deputada porque são as mais facilmente manipuláve­is.”

Segundo ela, o próprio TRE vem tratando as cotas como uma questão menor. “Teve caso de mulher filiada a um partido que saiu candidata por outro, o que é ilegal, mas o TRE tratou o caso como se fosse um errinho”, diz.

Menos cético do que outros especialis­tas em direito eleitoral, Filippe Lizardo, professor dessa matéria no ID P( Instituto de Direito Público), aponta alguns avanços na legislação nos últimos três anos.

A criação em 2017 do Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha foi acompanhad­o de um endurecime­nto na lei, segundo Lizardo. Agora há pena de prisão (de 2 a 6 anos) para quem se apropria de recursos do fundo. “Há um vácuo legal para punir crimes eleitorais, e o maior exemplo é que não existe norma legal para penalizar o caixa dois. Mas a pena de prisão para desvios é uma boa novidade”, afirma.

O grande problema, para ele, é que a Justiça eleitoral não tem braços para analisar as contas, com um agravante: o prazo para o exame é de cerca de 40 dias. “A estrutura da Justiça eleitoral para a questão das contas é ainda muito precária”, afirma.

Em São Paulo, o TRE criou força-tarefa de 42 servidores, que funcionou entre entre 6 de novembro e 16 de dezembro, para examinar as contas de 167 candidatos eleitos (governador, dois senadores, 70 deputados federais e 94 estaduais). Os que não foram eleitos terão os seus gastos analisados por oito servidores.

Não há investigaç­ão. É feita uma análise formal das contas, que apura se o candidato recebeu recursos de fontes vedadas (sindicato ou governo estrangeir­o, por exemplo) ou se extrapolou o limite de gastos estabeleci­do por lei.

A estrutura do TSE, que analisa as contas dos candidatos à Presidênci­a, tem 11 contadores e seis auxiliares.

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Fernanda Canofre/Folhapress O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, citado em caso de laranjas em Minas Gerais

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