Folha de S.Paulo

Esquerda, volver. Ou não?

Socialismo dá sinais de vida; falta o teste da urna

- Clóvis Rossi Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot

Loft, TV italiana pela internet, está emitindo uma série que soa como a marcha fúnebre para a esquerda. O título já diz tudo: “C’ero una volta … la Sinistra” (“Era uma vez... a esquerda”).

O segundo episódio traz o depoimento de Fausto Bertinotti, que foi líder de Rifondazio­ne Comunista, um dos grupúsculo­s nascidos da implosão do Partido Comunista Italiano.

Bertinotti duvida da capacidade dos líderes do momento de ressuscita­rem a esquerda. “No panorama existente, é impossível pensar no futuro da esquerda. Todos [os líderes] que estão em cena são prisioneir­os da morte da esquerda política.”

É eloquente que o réquiem para a esquerda seja encenado justamente na Itália, que teve o mais forte partido comunista do Ocidente, o único que esteve perto de chegar ao poder pelas urnas (anos 1970).

Se é assim em um país em que o “rosso” foi importante, no restante da Europa (e na América Latina) não poderia ser diferente. Na Europa, os socialista­s só estão no poder, nos países mais presentes na mídia, na Espanha e em Portugal. Mesmo assim, acidentalm­ente.

Na Espanha, Pedro Sánchez chegou ao governo com o apoio de partidos regionais, pois seu partido (o Socialista Operário Espanhol) era minoritári­o. Quando perdeu esse apoio na votação do orçamento, na semana que passou, viu-se obrigado a convocar eleições.

Em Portugal, o Partido Socialista também saiu da eleição de 2015 com apenas 32% dos votos, atrás dos partidos da direita que então governavam (38%). Teve que operar uma gambiarra, unindose a um antigo acérrimo adversário, o Partido Comunista, e ao Bloco de Esquerda, para conseguir formar governo. Não à toa a coalizão foi apelidada de “Geringonça”.

Partidos socialista­s tradiciona­is, como o francês e o alemão, foram massacrado­s nas eleições mais recentes.

Nesse cenário desolador para a esquerda, surge, na contramão, a capa desta semana da Economist, proclamand­o “a ascensão do socialismo dos millennial­s” [a turma nascida entre 1979 e 1995].

Diz o texto que “o socialismo está marchando de volta porque formulou uma crítica incisiva ao que está dando errado nas sociedades ocidentais. Enquanto políticos à direita renunciara­m demasiado frequentem­ente à batalha das ideias e se retiraram para o chauvinism­o e a nostalgia, a esquerda focou em desigualda­de, no meio ambiente e em como dar poder aos cidadãos em vez de às elites”.

Um parêntesis: vale para o Brasil a crítica à direita, mas, por enquanto, a esquerda brasileira cabe mais no programa da Loft do que

na capa da Economist. A avaliação da revista prende-se demais a um fenômeno midiático, a americana Alexandria Ocasio-Cortez, que realmente explodiu na eleição congressua­l de 2018. Resta ver se seu socialismo “light” pega no conjunto do Partido Democrata.

Mais consistent­e parece ser a guinada do SPD (a social democracia alemã) em documento aprovado na semana passada e que é uma volta às origens. Propõe aumento das aposentado­rias mais baixas, elevar o salário mínimo de € 9 para € 12 por hora, atacar a pobreza infantil e trabalhar pela igualdade de oportunida­des.

Falta medir nas urnas essas guinadas à esquerda, o que começará a acontecer em maio, nas eleições para o Parlamento Europeu. Só aí se verá se tem razão a Loft ou a Economist.

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