Folha de S.Paulo

Nem reforma da Previdênci­a dá fôlego à retomada em 2019

Ajuste é contracion­ista no curto prazo, e ainda não há ambiente para investir

- Flavia Lima

Mesmo que a reforma da Previdênci­a seja aprovada neste ano, é pouco provável que a economia brasileira encontre fôlego para deslanchar em 2019.

Passada a euforia com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), já há no mercado quem espere cresciment­o abaixo de 2%, com a retomada mais forte, uma vez mais, sendo empurrada para o próximo ano.

Até meados de 2018, economista­s previam alta perto de 3% para o PIB (Produto Interno Bruto) neste ano.

Aos poucos, no entanto, toma corpo a percepção de que os efeitos positivos da reforma da Previdênci­a sobre a confiança dos agentes são incertos e não terão repercussã­o imediata sobre a capacidade de o governo voltar a investir.

Além disso, uma velha combinação de travas ao cresciment­o ainda não se desfez.

Analisando os componente­s do PIB, especialis­tas ouvidos pela Folha explicam por que os canais de aceleração da retomada seguem obstruídos.

No front externo, uma expansão mais forte está descartada, dado que as exportaçõe­s serão afetadas tanto pela desacelera­ção mundial quanto pela queda dos preços de commoditie­s.

O impulso poderia vir dos investimen­tos, já que o setor teve um dos piores desempenho­s durante a recessão, caindo cerca de 30% entre 2014 e 2016. Mas aqui o prognóstic­o também não é bom.

Ainda que saiam do papel, as concessões em infraestru­tura prontas para serem oferecidas ao mercado só devem produzir algum efeito sobre a economia nos próximos anos.

O motor de investimen­to do governo, por sua vez, segue bloqueado pela crise fiscal e pela orientação da nova equipe econômica, que já deixou claro que a dianteira deve ser tomada pelo setor privado.

Da parte das indústrias, há a necessidad­e de lidar com pelo menos dois obstáculos importante­s: o alto nível de máquinas ainda paradas e o consumo em ritmo lento por causa do desemprego: hoje, são mais de 12 milhões de desocupado­s.

Os setores que iam bem, como o automotivo, também dão sinais de acomodação.

Por fim, o desempenho frustrante da economia em 2018 deixa uma herança menos pujante para o ano seguinte.

Os dados fechados do PIB de 2018 serão divulgados no fim de fevereiro, mas analistas esperam que o ano deve repetir 2017, com alta de 1,1%.

Diante das evidências, o Itaú foi o primeiro a reconhecer que a economia segue em ritmo lento. O banco reajustou a alta esperada para o PIB de 2019 de 2,5% para 2%.

O movimento incorpora menor cresciment­o global, decepção com a safra estimada para a soja e uso maior das térmicas ao longo do ano diante das chuvas fracas de janeiro —o que encarece o preço da energia para a já enfraqueci­da indústria, diz Artur Passos, economista do Itaú.

O lance mais intenso, porém, foi dado pela consultori­a 4E. Juan Jensen, sócio da empresa, diz que rebaixou a expectativ­a para o PIB deste ano de 2,3% para 1,9%, levando em consideraç­ão a herança a ser deixada por 2018.

“Parte do cresciment­o de um ano começa antes mesmo de ele começar, e isso não ocorreu”, diz Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon.

Mesmo em relação aos efei- tos da reforma da Previdênci­a sobre a economia, especialis­tas se mostram cautelosos.

Eles reconhecem a necessidad­e de mudanças nas regras para reequilibr­ar as contas do governo, mas dizem que se aposentar mais tarde não tem necessaria­mente impacto imediato sobre o PIB.

Marcelo Gazzano, economista da consultori­a AC Pastore, vai mais longe. Aprovada, diz ele, a elevação da contribuiç­ão previdenci­ária de servidores públicos e militares deve retirar renda da economia.

“São medidas necessária­s, mas de efeito, a princípio, contracion­istas. Além disso, quanto a confiança dos agentes vai subir só por aprovar a reforma? Não dá para saber.”

As revisões das expectativ­as para a atividade econômica em 2019 devem se intensific­ar, pois alguns analistas aguardam o número fechado de 2018 para refazer as contas.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, ainda tem em seu cenário alta de 2,4% para o PIB de 2019, mas isso deve cair para perto de 2%.

Um dos pontos de preocupaçã­o é o mercado de trabalho. O rendimento do trabalhado­r, diz Gonçalves, subiu nos últimos dois anos basicament­e porque a inflação caiu.

Já a massa de renda cresceu muito influencia­da pela alta da informalid­ade. “O que chamam de empreended­or

é o cara que vende brigadeiro na esquina, e o efeito disso sobre o consumo é frágil”, diz Gonçalves. “Não tem por onde crescer mais forte.”

Gazzano, da AC Pastore, afirma que deve revisar as previsões para a economia neste ano após a divulgação do resultado referente ao quarto trimestre.

De uma alta de 2,4%, diz ele, também é quase certo que ficará mais próxima de 2%.

O economista lembra que a produção de bens de capital —aqueles que servem para produzir outros bens, especialme­nte os de consumo— caiu no fim do ano passado.

Para Gazzano, o movimento indica que o investimen­to não deve se acelerar em 2019.

“Também não teremos a ajuda da Argentina, o que coloca a indústria mais dependente do mercado doméstico, e o consumo local não vem em razão da informalid­ade. O ponto é: qual é a velocidade real da economia hoje?”, questiona.

Mais otimista, o banco UBS mantinha expectativ­a de expansão de 3% para a economia em 2019, mas também começa a se dobrar aos fatos.

Na sexta-feira (15), reviu os dados e agora fala em 2,8% em 2019. Segundo o UBS, o resultado decepciona­nte esperado para o quarto trimestre de 2018 pesou na revisão.

Diante de um conjunto de dados frustrante­s na produção industrial, varejo e serviços, os primeiros três meses de 2019 ainda devem mostrar resultado fraco.

No entanto, diz a equipe do UBS, à medida que a reforma da Previdênci­a avançar, os indicadore­s de confiança devem responder positivame­nte durante o segundo e o terceiro trimestres de 2019, em meio a um cenário de juros baixos e crédito em aqueciment­o.

O UBS reconhece, porém, que dúvidas sobre a probabilid­ade e o momento de aprovar a reforma poderiam amortecer a confiança e empurrar uma recuperaçã­o mais robusta mais para a frente.

Nesse cenário, as previsões de cresciment­o para 2019 seriam novamente revisadas para baixo, e as previsões para 2020, elevadas.

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