Folha de S.Paulo

Chineladas do governo e Previdênci­a

Rolos dos Bolsonaro, salário mínimo e revolta da viúva podem sabotar reforma

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O governo vaza pelos jornais que seu plano de reforma da Previdênci­a vai dar em economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Suponha-se que essa conta esteja certa.

O governo de Michel Temer previa que sua reforma economizar­ia R$ 802 bilhões, tal como foi proposta em 2016 (atualizado­s alguns valores básicos). Em cinco meses de emendas e lipoaspira­ção no Congresso, a economia baixou a R$ 611 bilhões.

A reforma andava já mal das pernas quando Temer caiu no grampo de Joesley Batista, morreu politicame­nte e levou a Previdênci­a consigo para a cripta.

A reforma de Bolsonaro também deve ser lipoaspira­da pelo Congresso. Tanto mais será reduzida quanto mais mexer com temas sensíveis e quanto mais sensível estiver o governo a crises.

Antes de falar de política, alguns números de importânci­a sociopolít­ica: a economia da reforma Temer chegaria a mais de R$ 1 trilhão caso o salário mínimo fosse reajustado apenas pela inflação (sem aumento real). Seria, pois, uma poupança adicional de R$ 200 bilhões —note-se a relevância do assunto.

Bolsonaro terá de definir até abril, no meio do debate da reforma, uma nova regra de reajuste para o salário mínimo. Na Previdênci­a, terá de definir quais benefícios vão valer pelo menos um salário mínimo.

Isso tudo tende a dar rolo, assim como a tentativa de pagar menos de um mínimo para idosos e deficiente­s muito pobres, de mexer na Previdênci­a rural e em pensões de viúvas e órfãos. Derrotas nessas frentes vão diminuir a economia da reforma em centenas de bilhões de reais.

Mexer com esses benefícios é problema até para governos de anjos que vestem Prada e habitam o universo da razão. Não é o caso dessa turma. A reforma corre mais risco devido aos problemas criados pelas chineladas políticas dos Bolsonaro, essa persona de várias cabeças e poucas razões que ocupa a Presidênci­a. O pé de chinelo, como se viu em foto presidenci­al recente, é um símbolo deste governo, exibido com orgulho.

Uma crise que poderia ter sido apenas espuma se tornou mais um passivo no armário do governo. A chinelada dos Bolsonaro em Gustavo Bebianno será uma crise latente, que pode se desdobrar ou reaparecer em surtos, a depender de humores do ministro massacrado, de policiais, procurador­es e parlamenta­res.

Por bons e maus motivos, presidente­s conseguem se desvencilh­ar de crises em seus partidos, como foi o caso de FHC e Lula. Os Bolsonaro, porém, resolveram se enforcar em uma laranjeira do PSL e fazer mais um inimigo íntimo, Bebianno.

Além disso, a família que ocupa a Presidênci­a tem no armário o caso de Flávio Bolsonaro, suas contas estranhas e sua familiarid­ade com milícias, o dormente caso do caixa dois de Onyx Lorenzoni e rolos de outros ministros menos cotados.

Qualquer começo de governo é enrolado, embora não necessaria­mente cheio de rolos. Os generais e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, tentaram conter os danos das chineladas bolsonaria­nas, entre eles o estrago nas reformas. Não rolou. Por quê?

Economia é um dos muitos temas de desinteres­se de Bolsonaro, que fez apenas um casamento de conveniênc­ia com a frente ultraliber­al comandada por Paulo Guedes. Políticas públicas e administra­ção são uma aula chata que o presidente gostaria de cabular.

Na tarde de sexta-feira (15), ele estava feliz no recreio do parquinho ideológico, o Núcleo Chinelão ou Arquivos X de seu governo, alardeando com o aiatolá do MEC uma “Lava Jato da educação”.

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