Folha de S.Paulo

Com mensalidad­e a partir de R$ 1.000, ensino bilíngue chega até a periferia

Faltam, no entanto, parâmetros para avaliar qualidade do serviço e da formação de professore­s

- Angela Pinho

Dona de um salão de beleza no extremo leste de São Paulo, Kate Carneiro, 30, não fala uma palavra em inglês, mas quer que a filha Isabella, 4, seja fluente no idioma.

Moradora do bairro de São Miguel Paulista assim como ela, a médica Camila Caldeira, 38, também considera o domínio da língua estrangeir­a fundamenta­l. Não à toa, foi aos Estados Unidos grávida para que o filho Pedro, 2, nascesse no país e tivesse a cidadania americana.

As duas fazem parte de uma clientela em expansão em São Paulo: a de colégios bilíngues com preços acessíveis a famílias que têm uma boa renda, mas não estão no topo da pirâmide. São unidades com mensalidad­es a partir de R$ 1.000 que, agora, chegam até a periferia da cidade.

Junto com o cresciment­o do setor, aumenta a apreensão de educadores em relação à falta de parâmetros de qualidade e de avaliações de resultado, especialme­nte em um mercado muito heterogêne­o.

Não há estatístic­as oficiais, mas a disseminaç­ão de escolas bilíngues no país tem sido puxada tanto por franquias como por sistemas de ensino, que oferecem às escolas um pacote completo com metodologi­a, material didático e treinament­o de profission­ais.

Com 110 unidades no país e mais 37 até o fim do ano, a rede canadense Maple Bear está presente tanto em bairros nobres como nos mais afastados da cidade de São Paulo.

No Tatuapé (zona leste), o número de alunos do Colégio Santa Amália, que usa a metodologi­a Maple, triplicou em três anos. A mensalidad­e varia de R$ 2.400 no ensino infantil a até R$ 3.300 no ensino médio. A advogada Juliana Meireles não acha barato, mas avalia que vale o esforço. “A vida inteira estudei inglês, tive que fazer aula em vários lugares, intercâmbi­o depois de casada. Quero que minha filha aprenda com naturalida­de.”

Na recém inaugurada unidade da Maple em São Miguel Paulista, o preço é menor, muito devido à localizaçã­o. As primeiras famílias a fazer a matrícula pagam R$ 1.500 ao mês —caso de Kate e Camila.

O valor fica abaixo da média cobrada pelos colégios associados à OEBi (Organizaçã­o das Escolas Bilíngues), que é de R$ 2.950 para a educação infantil e de R$ 4.100 para o ensino fundamenta­l 2.

A lista da entidade não inclui muitas das escolas que utilizam os sistemas de ensino, o que costuma reduzir custos. O serviço é oferecido por empresas como a Simple, presente em 83 escolas no país (há três anos, eram 12), a The Kids Club, que passou de 26 para 108, ou a YouZ, que, em dois anos, saltou de 6 para 12 unidades. Um dos colégios que adota o sistema é o Suller Garcia, na zona leste, que oferece 1h30 de conteúdos curricular­es em inglês por dia no contraturn­o.

O preço final, incluindo as disciplina­s do horário regular, fica em R$ 1.140. Segundo o diretor Rafael Suller Garcia, o valor extra do ensino bilíngue cobre só os custos da modalidade, mas é importante para fidelizar a clientela.

A expansão rápida dos sistemas de ensino é um fenômeno tipicament­e brasileiro, afirma Raul Paraná, professor da Universida­de de Jyväskylä, na Finlândia, e especialis­ta no tema. “O cresciment­o sugere êxito nos resultados”, diz. “É importante, porém, estudar o que está acontecend­o na sala de aula para identifica­r as práticas de sucesso e o que pode ser melhorado.”

A dificuldad­e de entender o ensino bilíngue hoje no Brasil, dentro e fora da sala de aula, começa já pelo nome das escolas, uma vez que não há uma regulament­ação nacional.

“Hoje em dia o termo escola bilíngue é um guarda-chuva muito grande”, afirma a linguista Antonieta Megale, coordenado­ra da pós-graduação sobre o tema no Instituto Singularid­ades. “Legalmente a escola não tem que seguir parâmetros claros para se intitular dessa forma.”

Ela explica que a escola bilíngue não é aquela que ensina uma língua estrangeir­a, mas sim a que ensina diferentes conteúdos curricular­es em outro idioma. A OEBi adota esse critério, mas não só. Para ser considerad­o um colégio bilíngue pela organizaçã­o, é preciso também cumprir parâmetros mínimos de carga horária —de 75% em idioma estrangeir­o no ensino infantil a 25% no ensino médio.

A formação de professore­s é outro aspecto do ensino bilíngue para o qual não há parâmetros oficiais. Há poucos cursos específico­s sobre o tema nas universida­des.

Algumas redes, como a Maple Bear, têm programas de treinament­os próprios. Profission­ais do Canadá vão periodicam­ente às unidades para verificar o cumpriment­o de parâmetros da rede. Mas não há referência nacional para a formação de profission­ais.

Não à toa, encontrar professore­s que dominem tanto o inglês como o conteúdo a ser ensinado é o mais difícil, diz o diretor do Colégio Suller Garcia, em Itaquera.

Na Avenues, escola internacio­nal com mensalidad­e na faixa de R$ 10 mil, um profission­al passa por ao menos quatro etapas para ser escolhido. Anne Baldisseri, que coordenou parte da seleção, afirma que não há no colégio restrição a sotaque, mas um inglês correto é essencial para lecionar, pois as crianças aprendem ouvindo.

Otorrinola­ringologis­ta pediátrico, Manoel de Nóbrega afirma que, de fato, a aprendizag­em da língua está fundamenta­lmente ligada à audição. A apreensão de fonemas ocorre até o primeiro ano de idade do bebê. Até os quatro, a criança tem uma importante janela de desenvolvi­mento das nuances da fala, começando a entender ironia e sarcasmo.

Isso não impede, porém, que se aprenda um segundo idioma mais tarde. “Quanto mais cedo ela for exposta, melhor, mas nunca é tarde. O ideal é que seja até o final da adolescênc­ia.”

Referência internacio­nal em educação bilíngue, David Marsh, também da Universida­de de Jyväskylä, afirma que a carga horária do segundo idioma não precisa necessaria­mente ser muito extensa para garantir uma boa aprendizag­em.

Segundo ele, se 10% do tempo de escola for usado para isso quando a criança tem cinco anos, o resultado já é satisfatór­io. “Em educação, a máxima ‘quanto mais, melhor’, não vale para quase nada”, diz.

Entusiasta da educação bilingue, ele lembra que diversos estudos associam o conhecimen­to de um segundo idioma a vantagens cognitivas e de relacionam­ento. Até por isso seria interessan­te entender melhor o que é feito nessa área, afirma seu colega brasileiro de universida­de.

“Os pais e a escola costumam ficar encantados quando veem os filhos falando inglês, mas a educação bilíngue pode trazer muitos outros ganhos além da língua adicional. Será que o resultado alcançado no momento é o melhor possível?”, indaga Paraná.

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Danilo Verpa/Folhapress Colégio Santa Amália, que oferece ensino bilíngue na zona leste de SP

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