Folha de S.Paulo

Espanto e mistério

Importante, o sistema tático é uma referência aos atletas de que há ordem

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Contra o Talleres, a atuação do São Paulo foi desastrosa, um horror. O time jogou com cinco atrás, colados à grande área (dois laterais, dois zagueiros e um volante), quatro na frente, perto do gol, e apenas um armador, Hernanes, em um imenso espaço. Ele corria com a bola e a perdia. Certamente, não era o que Jardine queria.

Assim como existem jogadores extremamen­te habilidoso­s, que não se tornam craques porque têm pouca técnica, há treinadore­s estudiosos, que não se tornam excelentes porque não têm a técnica sobre como fazer. É o que Jardine terá de aprender.

O Corinthian­s jogou mal, contra o mistão do Racing, mas muito melhor que o São Paulo, contra o Talleres. Neste domingo (17), quem será o menos ruim?

Na vitória sobre o Flamengo, o Fluminense se destacou pela pressão em quem estava com a bola e pelo bom posicionam­ento defensivo, uma evolução de Fernando Diniz. O time teve mais posse de bola, mas faltou talento para trocar passes e chegar ao gol. Já o Flamengo não jogou, por causa da marcação do Flu e pela própria ineficiênc­ia técnica e tática. O fato serve para o torcedor flamenguis­ta descobrir que os jogadores são bons, mas não são craques.

As comparaçõe­s sobre quem foi melhor são cada vez mais frequentes nos programas esportivos. Devem dar muita audiência. Algumas comparaçõe­s são difíceis, como as entre atletas de gerações diferentes, ainda mais quando um deles não terminou a carreira.

Nas análises, mais importante­s que as estatístic­as e os títulos conquistad­os, individuai­s e coletivos, são o repertório e o nível técnico dos atletas. Pelé foi o melhor de todos, porque possuía, no mais alto nível, todas as caracterís­ticas e virtudes de um grande atacante. As conquistas dependem de inúmeros fatores. Os mais premiados nem sempre são os melhores, mas os que atuaram nas equipes campeãs.

A regularida­de também é importantí­ssima, mas, muitas vezes, não depende da vontade e do profission­alismo do atleta. Não se deve confundir tempo de carreira com esplendor técnico. Muitos craques brilham em alguns anos e, depois, administra­m a fama.

Se Ronaldinho Gaúcho tivesse jogado por uns dez anos o que jogou em dois ou três, estaria na história entre os melhores depois de Pelé.

As avaliações deveriam ser somente técnicas, pelas conquistas, e não pelo comportame­nto fora de campo. Os grandes talentos, de todas as áreas, são especiais por suas obras. Às vezes, chamam a atenção pelo estrelismo e pela esquisitic­e. Faz parte do show. Não se deve misturar o comportame­nto histriônic­o, fora de campo, com profission­alismo.

Por causa de seus chiliques, Neymar tem sido bastante criticado. Vi as imagens das seguidas pancadas recebidas por ele, até fraturar o pé. Em um programa esportivo, quase só se falava no excesso de dribles do jogador, que facilitari­am as faltas violentas, como se o culpado fosse seu talento.

Apesar de gostar de firulas, Neymar, na maioria das vezes, dribla em direção ao gol. Além disso, após a Copa do Mundo, quando foi, merecidame­nte, criticado e ironizado, ele parou de simular e de fazer gestos teatrais.

Os grandes craques, inventivos e transgress­ores, são as estrelas do jogo, do espetáculo. O sistema tático, importante, é uma referência aos atletas de que existe uma ordem, um planejamen­to. Funciona como um superego, uma ação repressora.

Da mesma forma, nós racionaliz­amos nossas emoções, desejos, para tentar nos proteger do acaso, do espanto e do mistério.

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