Folha de S.Paulo

Nem macumba com picanha impediu Bahia de ser campeão há 30 anos

Última conquista do título brasileiro por um time nordestino aconteceu contra o Internacio­nal

- Alex Sabino

A delegação do Bahia saiu cedo do Hotel Continenta­l, no centro de Porto Alegre. A ideia era estar no Beira-Rio o mais rápido possível e começar a preparação para o jogo.

Quase nada correu como o esperado naquele 19 de fevereiro de 1989. Os jogadores foram impedidos de entrar no vestiário por funcionári­os do estádio e dirigentes do próprio time baiano.

“Todo mundo ficou curioso. Disseram que alguém havia feito um negócio, mas ninguém dizia o que era. Demorou tanto que a torcida do Internacio­nal começou a chegar”, relembra o lateral Paulo Robson.

Alguém do clube gaúcho havia feito uma macumba contra o Bahia e colocado no vestiário. O presidente Paulo Maracajá comandou o grupo de empregados que retirou a encomenda espiritual.

“Era uma macumba estranha, para dizer a verdade. Tinha calabresa, picanha... Era mais um churrasco”, se diverte o goleiro Ronaldo.

No grupo do Whatsapp dos jogadores do Bahia campeão brasileiro de 1988, histórias como essa têm sido lembradas nos últimos dias. A conquista completa 30 anos na próxima terça (19).

No Beira-Rio lotado, o time empatou em 0 a 0 com o Inter e ficou com o troféu, a última vez que o título nacional foi conquistad­o por um clube do Nordeste.

A resposta do Bahia à macumba gaúcha foi deixar o roupeiro incumbido de encharcar o vestiário de perfume de alfazema, para “benzer” os jogadores.

Muito pouco da campanha da equipe naquele torneio foi comum. O regulament­o dividiu as 24 agremiaçõe­s em dois grupos de 12. Em sistema de ida e volta, se classifica­ram os dois primeiros colocados das chaves em cada turno.

O Bahia avançou sem conseguir isso. Ficou com a oitava vaga porque o Vasco foi o primeiro do Grupo B durante toda a primeira fase. A equipe nordestina se classifico­u por ter a melhor campanha geral entre os demais times.

“Nós fomos campeões com salários atrasados. Nossa renda era basicament­e as premiações por vitórias e classifica­ções. Ficava sempre um jogador no banco de reservas com uma calculador­a para ver quanto a gente ia receber de bicho no vestiário”, relembra o meia Zé Carlos.

O Bahia tinha uma base montada que havia vencido o estadual três vezes seguidas. Faltava um treinador.

O assessor do Clube dos 13, José Carlos Vilela, que reunia os principais clubes do país, disse que Maracajá deveria contratar Evaristo de Macedo. Ele havia voltado do Qatar e estava desemprega­do.

“Evaristo protegia os jogadores. Por ser quem era, jogar o que jogou e ter ganhado tudo no futebol, ele batia de frente com a imprensa e a diretoria para nos proteger”, constata Ronaldo.

A partir das quartas de final, o Bahia teve o estádio da Fonte Nova como arma. Por instruções da diretoria, o gramado não era cortado. Alta, a grama deixava o jogo mais lento. Desacostum­ados, os atletas adversário­s levavam tempo para se habituarem. E quando isso acontecia, logo cansavam.

E ainda havia a torcida. “O jogo contra o Fluminense foi uma coisa assustador­a. Eu nunca havia visto um estádio lotado daquele jeito. Era um mar de gente”, relembra Bobô, o astro da equipe e que depois do título iria se transferir para o São Paulo.

Ele se refere à segunda partida da semifinal. Os 110.438 pagantes representa­ram o maior público da história da Fonte Nova. O Bahia venceu de virada por 2 a 1 e avançou à decisão.

Antes disso, o time havia empatado duas vezes com o Sport nas quartas de final e se classifica­do por ter a melhor campanha. No último lance da prorrogaçã­o, o atacante Robertinho saiu na cara do gol e Ronaldo fez a defesa.

“O momento que a gente acreditou no título foi naquela partida contra o Fluminense. A gente viu aquela massa na arquibanca­da e foi momento mágico”, concorda Paulo Robson, que hoje trabalha nas categorias de base do Santos.

O título nasceu a partir do mata-mata por uma conjunção de fatores. O Bahia cresceu no momento certo, teve a sorte e o talento a favor em lances decisivos e foi o instante em que Evaristo encontrou a formação ideal.

Depois de mudar o esquema e as escalações durante a primeira fase, a partir das quartas de final ele se fixou em uma escalação. A definição daria ao Bahia o segundo título brasileiro de sua história. O primeiro havia sido em 1959.

“Acho que, entre as conquistas nacionais de times nordestino­s, esta foi a mais memorável. A de 1959 era outro formato, com menos times. A do Sport em 1987 foi bastante contestada e até hoje dá polêmica. Nós ganhamos o título em 26 partidas e seis meses de campeonato”, conclui o goleiro Ronaldo.

Sem dar atenção à macumba (“sou mais o Nosso Senhor do Bonfim”, disse Evaristo antes da partida), o Bahia jogou pelo empate no Beira-Rio. Havia vencido em Salvador de virada (assim como acontecera diante do Fluminense), com dois gols de Bobô.

“Nós jogamos com o nervosismo do Inter. Com o passar do tempo, eles foram ficando mais e mais apavorados. Tanto que nos 15 minutos finais, as melhores chances foram nossas”, afirma o técnico.

Só não houve festa pela conquista histórica. Pelo menos isso não aconteceu para os jogadores. Eles ficaram em Porto Alegre mais três dias porque enfrentara­m de novo o Inter, mas pela Libertador­es.

Foi só depois disso que puderam voltar a Salvador.

Os 30 anos do título do Bahia vão virar livro e documentár­io a serem lançados em 2019. Os integrante­s do elenco criaram a Associação dos Campeões Brasileiro­s de 88.

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Antonio Pacheco-19.fev.89/Agência RBS/Folhapress Jogadores do Bahia levantam o troféu de campeão brasileiro em Porto Alegre, após empate em 0 a 0 com o Internacio­nal

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