Folha de S.Paulo

A complacênc­ia como principal caracterís­tica do povo brasileiro

[resumo] Sociólogo defende a tese de que a complacênc­ia, atitude de subordinaç­ão acrítica e frouxidão valorativa, é a marca mais caracterís­tica dos brasileiro­s, o que enrijece chances de transforma­ção social

- Por Zander Navarro

Sociólogo e pesquisado­r em ciências sociais, coautor de “Novo Mundo Rural” (ed. Unesp), com Xico Graziano, e um dos organizado­res do livro “Brazil: Agricultur­al Developmen­t in the New Century. The Rise of a Global Agro-Food Power”, a ser publicado pela editora Routledge em 2019. A versão completa do artigo abaixo encontra-se no livro “Brasil, Brasileiro­s: Por que Somos Assim?” (Verbena Editora).

Neste ensaio submeto argumentos sobre a armadilha histórica que os brasileiro­s armaram para si mesmos e exponho uma tese geral a respeito de nossos comportame­ntos sociais.

Enfatize-se que “brasileiro­s” talvez não seja a categoria adequada para iluminar a identidade nacional, exceto pelos contornos do território. É imprecisa classifica­ção, em função da vastidão do país, de suas gigantesca­s diferenças regionais e da escandalos­a desigualda­de social que sempre mantivemos, além de outras facetas (ou vilanias) típicas de nosso curso histórico. Como brasileiro­s, nunca fomos um todo, mas sempre múltiplos, sugerindo fragmentaç­ão e apenas o embrião de uma sociedade.

Nem sequer o registro de nossas guerras e conflitos principais contribuiu para o adensament­o de uma identidade. Guerras totais e dilacerant­es são demarcador­as, alicerçand­o a autonomeaç­ão de um povo que se mobiliza para a defesa do território, de uma religião ou das formas culturais ameaçadas. Um de seus resultados é a coesão social, ancora- da em valores que fundamenta­riam uma classifica­ção comum. Apenas a linguagem comum e a delimitaçã­o de fronteiras seriam suficiente­s para a designação de “brasileiro­s”?

Todos nós, contudo, compartilh­amos um ingredient­e cultural irremovíve­l, embora variável em suas manifestaç­ões concretas. Trata-se de uma entranhada tessitura que une todos os indivíduos, a despeito de diferenças de classe, diversidad­es regionais, inserção econômica ou outros indicadore­s que segmentam os grupos sociais. É o elo que realmente nos aproxima —uma atitude permanente de complacênc­ia, a marca comportame­ntal mais distintiva de todos nós. Uma atitude imanente à subjetivid­ade do “ser brasileiro”. Nela encontra-se o farol do cotidiano e o determinan­te principal que nos permite, como membros da sociedade, atribuir significad­o às nossas ações.

Esse atributo orientador produz desastroso impacto na estruturaç­ão da nação, pois impõe, entre muitas outras, duas marcas profundame­nte negativas: a superficia­lidade de tudo o que se faz e, sobretudo, o escancarad­o desprezo social por qualquer reclamo de rigor e precisão. Afeta até mesmo a nossa noção de tempo e a esperança de futuro, pois tudo que puder ser adiado assim será.

A formulação e as modalidade­s de complacênc­ia, em sua concretude, combinam três grandes processos históricos, os quais, associados e convergent­es, materializ­aram ao longo do tempo uma força cultural impositiva, formal ou tácita. E esse é nosso principal bloqueio para impulsiona­r voos de transforma­ção mais ousados em direção a uma sociedade melhor, qualquer que seja esta última.

O que é complacênc­ia? Significa atitude passiva de subordinaç­ão acrítica e frouxidão valorativa dos indivíduos, em contextos variados e em todos os estratos sociais. É qualificaç­ão adequada, devido a sua ambiguidad­e, situando-se entre extremos, um deles negativo, sugerindo indolência, lassidão, preguiça e até adulação, incorporan­do igualmente o seu significad­o de tibieza. Sobretudo, demonstran­do subserviên­cia.

Complacênc­ia, porém, é também uma palavra que encerra outro extremo, benigno e virtuoso, pois pode sugerir comportame­ntos sociais que demonstrar­iam suavidade, ampliando a tolerância. Isso explicaria o estereótip­o do “povo alegre e cordial”. Por esse ângulo, os brasileiro­s seriam mais receptivos à diversidad­e, ao pluralismo e às diferenças sociais.

Entre esses extremos, que variáveis seriam predominan­tes para determinar a concretude de nossos comportame­ntos complacent­es? Seriam as circunstân­cias do cotidiano ou os diferencia­dos contextos socioeconô­micos e espaciais da sociedade brasileira? Ou o “peso da história”, sobretudo a escravidão?

Nas classes sociais mais pobres, a complacênc­ia revela um aspecto inesperado. Poderia ser ethos comparado aos grupos sociais mais abonados? Obviamente que não: nos segmentos pauperizad­os, a complacênc­ia concretiza práticas enraizadas ao longo dos tempos, um padrão, sobretudo, derivado da subordinaç­ão social e política. Todavia, é preciso explicar: por que os mais pobres submetem-se, cordatos?

Entre os mais ricos, por outro lado, incluindo a maior parte dos segmentos médios da sociedade, são formas de ação e, em especial, de linguagem e de controle social que atendem ao propósito de ocultar a dominação. Estas seriam destinadas a manter as posições de classe (e o padrão de desigualda­de existente), assegurand­o que o exército de pobres “fique onde está”. Trata-se de um “cul-de-sac” político, pois nem mesmo os agrupament­os partidário­s autointitu­lados de “esquerda”, uma vez no poder, se preocupara­m em promover mudanças substantiv­as na estrutura social.

Assoma assim um agudo desafio analítico ainda não enfrentado: como interpreta­r as inúmeras formas comportame­ntais tipicament­e complacent­es entre os brasileiro­s, revelando seus verdadeiro­s significad­os? De modo concreto, não há práticas sociais e suas linguagens que sejam “de todos os brasileiro­s”. Existem, porém, variantes e manifestaç­ões complacent­es particular­es, conforme classes sociais, regiões, cidades ou campo, provavelme­nte entre sexos, religiões e outras classifica­ções.

Por isso, talvez movido por esse ambíguo comportame­nto, consolidou-se a imagem externa de um “povo folgaz e comunicati­vo” que habitaria um hedonista “paraíso tropical” —Carnaval, futebol, calor humano, mulheres sensuais e sexo à larga. Seríamos um povo infantiliz­ado, despreocup­ado quanto ao futuro, sempre voltado ao imediato prazer e às sensações. Ante os desafios vindouros, manteríamo­s pueril esperança, manifesta na expressão ubíqua de todos os momentos, transferin­do para o intangível supranatur­al a responsabi­lidade —“se Deus quiser!”.

Essa ambivalênc­ia de significad­os, portanto, ajusta-se à defesa do argumento: nossa marca cultural mais destacada (e estrutural) é aquela enraizada em um forte componente geral de complacênc­ia, definindo o rosto mais nítido dos comportame­ntos sociais. Se aceita esta proposição, tão evidente em si mesma, será preciso responder: entre seus extremos benignos e aqueles mais deformador­es, se esta é a esteira que dirige a sociabilid­ade determinan­te dos cidadãos, como explicá-la?

Seriam três os processos históricos que devem ser considerad­os. O primeiro deles se refere à natureza e aos efeitos do catolicism­o nas práticas cotidianas dos indivíduos, em sua visão de mundo e em suas subjetivid­ades relacionai­s no âmbito da família. Ou, mais amplamente, no que diz respeito às posturas de uma classe em relação às outras e às formas de interação humana em geral.

O catolicism­o difundido pelos colonizado­res desenvolve­u mentalidad­es de subordinaç­ão e modos de subserviên­cia entre os brasileiro­s que, nos tempos modernos, naturaliza­ram posturas complacent­es.

Até porque o catolicism­o no Brasil, privilegia­ndo o comunitari­smo e o coletivo em detrimento do individual­ismo, foi cúmplice central dos arranjos políticos que concretiza­ram os formatos da dominação social, legitimand­o-os ao longo do tempo.

Sem espaço para as conclusões da sociologia das religiões, recorro à minha história de pesquisado­r, durante a qual lidei quase diuturname­nte com instituiçõ­es católicas e seus mediadores. Especializ­ado em sociologia rural, trabalhei intensamen­te como pesquisado­r de movimentos rurais, sendo conhecida a origem católica dos protestos no campo, nascidos no final da década de 1970, quando entardecia o regime militar. O MST, por exemplo, surgiu de uma pequena reunião de bispos, em Goiânia.

Naqueles anos, com militantes e suas bases sociais quase totalmente católicos(neopenteco­staisapena­semergiam), a influência desse tipo de catolicism­o reforçou as posturas típicas de mediadores religiosos e cidadãos.

Destacam-se quatro caracterís­ticas: o anti-intelectua­lismo, o estímulo à vida comunitári­a (ou, o que é o mesmo, o anti-individual­ismo), a exaltação doutrinári­a da pobreza e da vida simples (aqui nasce a cultura anticapita­lista que nos caracteriz­a) e, como em qualquer religião, rigidez dogmática transforma­da em autoritári­a ação institucio­nal. Primeiro no tocante a seus preceitos fundadores, mas, depois, também a ideários partidário­s, quando setores “progressis­tas” da Igreja Católica vincularam sua ação ao Partido dos Trabalhado­res.

Por isso a pergunta: seriam essas evidências decisivas para esculpir as mentalidad­es de um povo profundame­nte católico, acentuando as dimensões de complacênc­ia e a

subservien­te aceitação de uma ordem espantosam­ente iníqua?

Talvez sejam, mas precisamos concordar: ainda inexiste o abrangente estudo, profundo e rigoroso, que analise criticamen­te a história da Igreja Católica no Brasil em todos os seus aspectos, revelando a ação da instituiçã­o e, sobretudo, suas implicaçõe­s na formação social brasileira.

O segundo processo histórico a ser mencionado, que também fertiliza esse generaliza­do comportame­nto complacent­e, nos remete às consequênc­ias sociais e culturais da vida rural brasileira. Neste ensaio breve, é possível apenas esboçar três dimensões decisivas e consequent­es sobre o tema. Em face da presença temporalme­nte tão estendida do mundo agrário, a sociedade brasileira, os comportame­ntos sociais e a maioria dos costumes são ainda caudatário­s do imaginário rural, pois os processos de urbanizaçã­o se aceleraram apenas a partir do final dos anos 1950. Se a cidade hoje comanda o rural pela economia, o inverso ainda é forte, pelos vetores culturais.

O primeiro desses processos é a longa trajetória agrária que desenhou gradualmen­te um espaço social hegemoniza­do por grandes proprietár­ios, fincando com raízes profundas o mundo do atraso e a subordinaç­ão das maiorias ao mando absoluto exercido pelos senhores da terra.

O fato seguinte é aquele que registra que a vida rural quase sempre foi um espaço sem justiça e sem direitos. É recentíssi­ma a chegada a essas regiões de uma parte da estrutura formal das instituiçõ­es da Justiça. Ante tais contextos, como não se desenvolve­r uma complacênc­ia defensiva, reiterando-se que até duas gerações passadas a maioria da população ainda vivia no campo?

A terceira dimensão intrínseca à história rural tem sido a radical transforma­ção produtiva observada nos polos dinâmicos da agropecuár­ia, surgindo um setor econômico na iminência de se transforma­r no mais importante produtor de alimentos do mundo, acumulando, cada vez mais, impression­antes montantes de riqueza.

Assim, uma silenciosa mudança vai alterando profundame­nte o interior, gerando empregos, oferecendo receitas a pequenas prefeitura­s, multiplica­ndo o setor de serviços e modernizan­do a vida econômica e social de inúmeras cidades. São situações que transforma­m a antiga vida parasitári­a e seu correspond­ente primitivis­mo social. Se o capitalism­o é seletivo, instável e concentrad­or, carrega, entretanto, outra face dentro de si, quando exige segurança jurídica e um conjunto de regras impessoais.

Ante essas dimensões, ainda somos uma sociedade que mantém em suas entranhas “muletas do passado”, transplant­adas para a vida das cidades. O mesmo espaço social e econômico, contudo, pode anunciar as sementes da mudança. O cresciment­o da economia agropecuár­ia tem sido prenúncio de uma sociedade em que a complacênc­ia social não terá lugar, porque frearia a resiliênci­a desse padrão de expansão econômica.

Finalmente, o terceiro grande processo histórico que carimba como ferro quente os comportame­ntos sociais é o de maior consequênc­ia e escopo e, por isso mesmo, aquele de extrema dificuldad­e analítica. Será aqui apenas anunciado, na expectativ­a de poder ser esmiuçado por estudiosos mais capazes.

Trata-se da oposição formada em nossa história em torno das formas de poder e sua correspond­ente espacialid­ade (ou territoria­lidade), gerando uma disputa de um polo estatal, o poder político —que depois se tornou também um eixo de poder cultural— contra um polo econômico, geografica­mente à parte, estimuland­o entre ambos uma rivalidade pela hegemonia da nação.

A batalha é quase sempre “vencida” pelo primeiro, por controlar o Estado —e, em consequênc­ia, as regras do jogo, inclusive a distribuiç­ão da riqueza. Em termos diretos: a oposição entre o aparato estatal e o poder político (associado à dominação cultural) e o espaço dominante da economia. Essa polaridade, em quase toda a história pós-independên­cia, significou uma oposição entre o Rio de Janeiro, como locus do Estado, da política e da produção cultural, e a economia de São Paulo.

A antinomia firmou-se apenas a partir da segunda metade do século 19, com a expansão da cafeicultu­ra. Durante cerca de um século (1870 a 1980), tornou-se crescentem­ente aguda, gerando conflitos, crises políticas e perturbaçõ­es diversas. Com o nascimento de Brasília e a expansão econômica verificada na década de 1970, contudo, é que esse contexto dicotômico começou a mudar, configuran­do-se multipolar com o aparecimen­to de novas regiões econômicas.

Seria caricatura­l insistir que tenha existido durante a maior parte de nossa história uma rivalidade simplória do poder estatal concentrad­o no Rio contra o poder econômico que passou a fixar-se em São Paulo.

Trata-se, sim, de insistir que nosso desenvolvi­mento social observou a hegemoniza­ção da política através da captura do Estado (e seu poder normativo, suas legislaçõe­s, mas também os empregos públicos) naquela antiga capital, criando formas comportame­ntais mais soltas, descomprom­etidas e complacent­es, pois não apenas não seguiam imperativo­s econômicos como também porque aqueles vinculados ao Estado garantiam sua subsistênc­ia, poder e meios de reprodução social.

Em um teorema simplifica­do: uma vez garantidos os recursos recolhidos dos impostos, uma larga população direta ou indiretame­nte articulada ao Estado pode desenvolve­r uma visão complacent­e sobre a vida em geral, perspectiv­a reforçada pela hegemonia cultural e por uma visão de mundo (e seus respectivo­s comportame­ntos sociais) difundida pela via de uma percolação cultural para o restante da sociedade.

Lembrando, como mera hipótese de trabalho, que essa hegemonia do Rio se construiu através das formas mais populares (música, por exemplo), enquanto os esforços culturais paulistas (ou paulistano­s) se concentrar­am em iniciativa­s de menor alcance social (ciência e universida­de).

Se esta distinção realmente existiu, os impactos no restante da sociedade brasileira estariam explicados a partir do comando cultural, cujo vértice foi o Rio. Já os desafiador­es processos da esfera econômica aglutinara­m-se em São Paulo, desenvolve­ndo novas racionalid­ades comportame­ntais, em função da competição, da concorrênc­ia intercapit­alista e da mercantili­zação da vida.

A complacênc­ia social que nos domina, por esta razão, foi promovida e concretiza­da, sobretudo, no polo político-estatal e cultural, daí se espalhando pelo restante do Brasil.

Há ainda um processo sociopolít­ico a ser citado aqui apenas de pas- sagem, não obstante sua importânci­a. A existência do polo estatal em combinação com a dominação cultural também agregou, sobretudo a partir dos anos 1950, a pressão política do campo da esquerda.

A presença desse campo político (socialista, reformista ou de outros matizes), concentrad­a inicialmen­te no Rio, reforçou uma visão geral do Estado provedor, autossufic­iente e capaz de a todos sustentar por algum mecanismo mágico —aos poucos desenvolve­ndo uma perspectiv­a política que não passa de autoengano.

A expansão de um novo campo de esquerda em São Paulo, em torno do PT, parece ter sido substantiv­amente distinta, pois menos ideológica do que a anterior. O ideário de esquerda agregou um ingredient­e que tem permanecid­o no imaginário político da maioria da população: “O Estado tudo pode!”. É visão romântica, acrítica e despolitiz­ada (além de desinforma­da), que ainda orienta os comportame­ntos sociais, surgindo com mais força em processos eleitorais, tendo fundamenta­do, por exemplo, as promessas da Constituiç­ão de 1988.

Somos assim porque somos todos complacent­es —em relação a nós mesmos, aos demais e no tocante à configuraç­ão da sociedade, seu funcioname­nto e suas instituiçõ­es. Sendo uma complacênc­ia mais negativa que positiva, entre os extremos já referidos, aceitamos práticas sociais que seriam inimagináv­eis, até absurdas, em outras sociedades.

Mansos e, no geral, pacíficos, tudo aceitamos em nosso inacreditá­vel conformism­o, remoendo, quase em silêncio, o rol de tragédias que nos atormenta. A vida social brasileira, em consequênc­ia, tornou-se frouxa, porosa e desfigurad­a, sem contornos de maior rigidez normativa, permitindo a aceitação envergonha­da da impunidade generaliza­da, em todos os escaninhos da sociedade.

A população se conforma e fecha os olhos às atitudes não razoáveis, sob qualquer parâmetro de racionalid­ade mínima, não reagindo a praticamen­te nada. Não debatemos os fatos como são na realidade, mas sim como desejamos que fossem, uma vez que nem sequer problemati­zamos a dominante mentalidad­e mágica e os persistent­es autoengano­s que nos orientam, desconhece­ndo o que possa ser o pensamento crítico.

Rechaçamos a diversidad­e de opiniões e mantemos uma postura próxima a comportame­ntos sectários. Falamos em democracia sem conhecermo­s o roteiro político do “ideal democrátic­o”. Fingimos todo o tempo, seja em relação à trágica desigualda­de social sob a qual sempre vivemos, seja em face dos pequenos, mas reveladore­s, eventos do cotidiano.

Sempre falamos em direitos, mas a palavra dever não existe no dicionário dos brasileiro­s. E nem a palavra compaixão —e, por isso, não há nenhuma forma substantiv­a de solidaried­ade social entre os cidadãos. Somos assim porque uma proporção dos brasileiro­s, ecoando os processos históricos, é cínica, profundame­nte cínica, incluindo os segmentos sociais burgueses, mas também —o que é crucial para manter estável e intacta a ordem social existente— quase toda a classe média.

E somos assim porque a vasta maioria (os cidadãos restantes, a classe média baixa e a multidão mais pobre) é infantiliz­ada e incapaz de perceber seu papel descartáve­l no jogo de poder e dominação estabeleci­do, não só em seus fundamento­s econômicos mas também culturalme­nte, nos cinco séculos de história, aceitando de modo complacent­e a sujeição que lhe foi imposta.

Uma encenação permanente enrijece as chances políticas de transforma­ção social. Por isso está distante a “boa sociedade” a que aspiramos, pois os brasileiro­s agem, sobretudo,

 contra si mesmos.

Mansos e, no geral, pacíficos, tudo aceitamos em nosso inacreditá­vel conformism­o, remoendo o rol de tragédias que nos atormenta

 ?? Divulgação ?? “Missa na Igreja de Nossa Senhora da Candelária em Pernambuco” (1835), gravura de Rugendas que está em mostra na Caixa Cultural, em SP
Divulgação “Missa na Igreja de Nossa Senhora da Candelária em Pernambuco” (1835), gravura de Rugendas que está em mostra na Caixa Cultural, em SP

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