Trump afirma que quer o Brasil como membro pleno da Otan
Fala foi em almoço fechado; hoje, apenas países da Europa e da América do Norte possuem tal designação na Otan
washington Em almoço fechado na Casa Branca na terça-feira (19) com ministros brasileiros e o presidente Jair Bolsonaro, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que vai trabalhar para fazer do Brasil um membro pleno da Otan, a aliança militar ocidental liderada por Washington.
Durante a viagem de Bolsonaro ao país, o governo Trump designou o Brasil como um aliado prioritário extra-Otan, denotação de parceiros estratégicos que não sejam parte da aliança e que tem um caráter mais simbólico.
Ela permite, por exemplo, que o país tenha acesso a vários tipos de cooperação militar, a transferências de tecnologia com os EUA e a preferência de compra de equipamentos militares americanos.
O assunto foi discutido longamente no almoço e apoiado pelo conselheiro de segurança nacional, John Bolton.
O tópico teria sido abordado mais uma vez no jantar de trabalho na Blair House (onde Bolsonaro estava hospedado) na noite de terça, que teve participação de Bolton.
Segundo relataram participantes à Folha, Trump disse que a classificação de aliado extra-Otan era muito pouco para o Brasil e que queria fazer do país um membro pleno da organização. Bolton teria dito que adorava a ideia e pedido considerações ao chanceler Ernesto Araújo.
Ainda segundo relatos, Araújo disse que o Brasil precisa se vincular em definitivo com o Ocidente e estabelecer sua identidade. A maneira de realizar isso seria se tornar membro pleno da Otan e da OCDE, o clube dos países ricos —Trump manifestou apoio à entrada do Brasil no grupo.
A Otan é o bloco de defesa de países capitalistas criado no contexto da Guerra Fria. O artigo 5 do tratado que o constituiu diz que um ataque armado contra um de seus membros será considerado agressão contra todos.
Esse artigo foi invocado uma única vez na história —quando os EUA sofreram o 11 de Setembro, e membros da aliança contribuíram com efetivo para a invasão do Afeganistão.
Apesar das falas de Trump e Bolton, a Otan é “uma aliança
de países da Europa e da América do Norte”, segundo o tratado. Para incluir o Brasil, os EUA precisarão propor alteração na base legal da aliança.
O artigo 10 do tratado afirma que os membros poderão convidar “Estados europeus”. Tais convites ocorreram diversas vezes, como na ampliação da aliança para o leste após o fim da União Soviética.
O artigo 6 faz uma referência ao Atlântico Norte, mas apenas no sentido de que se um Estado-membro for atacado em águas acima do Trópico de Câncer, os outros deverão se unir em sua defesa.
Só os chamados “parceiros globais da Otan” —como Colômbia, Japão, Coreia e Austrália— vêm de fora da região.
Trump então teria dito que vai enfatizar o eixo Norte-Sul, já que, para ele, os europeus não valorizam a aliança.
Uma das grandes críticas de Trump é que os europeus não contribuem o suficiente para a organização e que os EUA são obrigados a arcar com a maioria de seus custos.
Se entrasse na Otan como membro pleno, o Brasil teria de se comprometer a gastar 2% do PIB em defesa.
Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o Brasil gastou 1,4% de seu PIB com defesa em 2018 (1,51% segundo o governo), mas 89% do valor vão para pagamento de pessoal e inativos.
Do lado brasileiro, foi dito que o Brasil tem acesso ao Atlântico Norte e que, portanto, poderia ser membro pleno e não apenas parceiro global.
são paulo Em termos econômicos, a barganha acertada entre o presidente Jair Bolsonaro e seu colega Donald Trump, dos EUA, é um bom negócio para o Brasil.
O país troca algo com poucos ganhos concretos —o tratamento especial e diferenciado na OMC (Organização Mundial de Comércio)— por vantagens mais palpáveis —o
apoio americano à entrada na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
O tratamento especial e diferenciado na OMC garante ao Brasil condições mais favoráveis em acordos comerciais: prazo maior de implementação, patamares maiores de subsídios, entre outras.
Isso fez diferença na criação da OMC, quando as principais regras do jogo comercial foram criadas. Agora, tende a ter pouquíssimo impacto prático. E isso é jogo jogado.
Já a entrada na OCDE significa um selo respeitável para os mercados globais. Tem potencial de atrair investimentos e, com a economia em passos lentos após a maior recessão da história, precisamos muito.
Também forçará o Brasil a adotar padrões globais de governança no setor público. E o mais importante: garantirá ao país um lugar na mesa.
É da organização que saem boa parte dos parâmetros depois adotados globalmente para várias áreas, como a financeira. Melhor participar da negociação do que aceitar as regras depois.
Logo, qual é o problema dessa troca? Estamos falando de política. Ao aceitar o fim do tratamento especial na OMC, o Brasil ajudará os EUA a colocarem enorme pressão para que países como China, Índia, México e Argentina façam o mesmo —ou seja, ficará em lados opostos aos seus “pares”. E Pequim é o verdadeiro alvo dos americanos aqui.
Sem um selo oficial de que essas são nações ainda em desenvolvimento, fica mais fácil para os EUA cobrarem compromissos duros em diferentes fóruns e questões tão distintas quanto câmbio, ambiente, energia nuclear etc.
Brasil, China ou Índia não estão entre os países mais pobres do mundo, mas tampouco são a Noruega. Os três gigantes ainda têm milhões de miseráveis e não podem se esquecer disso.
Resumindo: a barganha de Trump pode valer a pena, desde que feita com cautela para minimizar o impacto político.
O pior dos mundos seria mudar o status na OMC e não entrar na OCDE. Nas negociações internacionais, um lado só deve avançar quando o outro também caminhar.
Barganha por OCDE pode valer a pena se controlar viés político ANÁLISE Raquel Landim