Folha de S.Paulo

Trump afirma que quer o Brasil como membro pleno da Otan

Fala foi em almoço fechado; hoje, apenas países da Europa e da América do Norte possuem tal designação na Otan

- Patrícia Campos Mello

washington Em almoço fechado na Casa Branca na terça-feira (19) com ministros brasileiro­s e o presidente Jair Bolsonaro, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que vai trabalhar para fazer do Brasil um membro pleno da Otan, a aliança militar ocidental liderada por Washington.

Durante a viagem de Bolsonaro ao país, o governo Trump designou o Brasil como um aliado prioritári­o extra-Otan, denotação de parceiros estratégic­os que não sejam parte da aliança e que tem um caráter mais simbólico.

Ela permite, por exemplo, que o país tenha acesso a vários tipos de cooperação militar, a transferên­cias de tecnologia com os EUA e a preferênci­a de compra de equipament­os militares americanos.

O assunto foi discutido longamente no almoço e apoiado pelo conselheir­o de segurança nacional, John Bolton.

O tópico teria sido abordado mais uma vez no jantar de trabalho na Blair House (onde Bolsonaro estava hospedado) na noite de terça, que teve participaç­ão de Bolton.

Segundo relataram participan­tes à Folha, Trump disse que a classifica­ção de aliado extra-Otan era muito pouco para o Brasil e que queria fazer do país um membro pleno da organizaçã­o. Bolton teria dito que adorava a ideia e pedido consideraç­ões ao chanceler Ernesto Araújo.

Ainda segundo relatos, Araújo disse que o Brasil precisa se vincular em definitivo com o Ocidente e estabelece­r sua identidade. A maneira de realizar isso seria se tornar membro pleno da Otan e da OCDE, o clube dos países ricos —Trump manifestou apoio à entrada do Brasil no grupo.

A Otan é o bloco de defesa de países capitalist­as criado no contexto da Guerra Fria. O artigo 5 do tratado que o constituiu diz que um ataque armado contra um de seus membros será considerad­o agressão contra todos.

Esse artigo foi invocado uma única vez na história —quando os EUA sofreram o 11 de Setembro, e membros da aliança contribuír­am com efetivo para a invasão do Afeganistã­o.

Apesar das falas de Trump e Bolton, a Otan é “uma aliança

de países da Europa e da América do Norte”, segundo o tratado. Para incluir o Brasil, os EUA precisarão propor alteração na base legal da aliança.

O artigo 10 do tratado afirma que os membros poderão convidar “Estados europeus”. Tais convites ocorreram diversas vezes, como na ampliação da aliança para o leste após o fim da União Soviética.

O artigo 6 faz uma referência ao Atlântico Norte, mas apenas no sentido de que se um Estado-membro for atacado em águas acima do Trópico de Câncer, os outros deverão se unir em sua defesa.

Só os chamados “parceiros globais da Otan” —como Colômbia, Japão, Coreia e Austrália— vêm de fora da região.

Trump então teria dito que vai enfatizar o eixo Norte-Sul, já que, para ele, os europeus não valorizam a aliança.

Uma das grandes críticas de Trump é que os europeus não contribuem o suficiente para a organizaçã­o e que os EUA são obrigados a arcar com a maioria de seus custos.

Se entrasse na Otan como membro pleno, o Brasil teria de se compromete­r a gastar 2% do PIB em defesa.

Segundo o Instituto Internacio­nal de Estudos Estratégic­os, o Brasil gastou 1,4% de seu PIB com defesa em 2018 (1,51% segundo o governo), mas 89% do valor vão para pagamento de pessoal e inativos.

Do lado brasileiro, foi dito que o Brasil tem acesso ao Atlântico Norte e que, portanto, poderia ser membro pleno e não apenas parceiro global.

são paulo Em termos econômicos, a barganha acertada entre o presidente Jair Bolsonaro e seu colega Donald Trump, dos EUA, é um bom negócio para o Brasil.

O país troca algo com poucos ganhos concretos —o tratamento especial e diferencia­do na OMC (Organizaçã­o Mundial de Comércio)— por vantagens mais palpáveis —o

apoio americano à entrada na OCDE (Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico).

O tratamento especial e diferencia­do na OMC garante ao Brasil condições mais favoráveis em acordos comerciais: prazo maior de implementa­ção, patamares maiores de subsídios, entre outras.

Isso fez diferença na criação da OMC, quando as principais regras do jogo comercial foram criadas. Agora, tende a ter pouquíssim­o impacto prático. E isso é jogo jogado.

Já a entrada na OCDE significa um selo respeitáve­l para os mercados globais. Tem potencial de atrair investimen­tos e, com a economia em passos lentos após a maior recessão da história, precisamos muito.

Também forçará o Brasil a adotar padrões globais de governança no setor público. E o mais importante: garantirá ao país um lugar na mesa.

É da organizaçã­o que saem boa parte dos parâmetros depois adotados globalment­e para várias áreas, como a financeira. Melhor participar da negociação do que aceitar as regras depois.

Logo, qual é o problema dessa troca? Estamos falando de política. Ao aceitar o fim do tratamento especial na OMC, o Brasil ajudará os EUA a colocarem enorme pressão para que países como China, Índia, México e Argentina façam o mesmo —ou seja, ficará em lados opostos aos seus “pares”. E Pequim é o verdadeiro alvo dos americanos aqui.

Sem um selo oficial de que essas são nações ainda em desenvolvi­mento, fica mais fácil para os EUA cobrarem compromiss­os duros em diferentes fóruns e questões tão distintas quanto câmbio, ambiente, energia nuclear etc.

Brasil, China ou Índia não estão entre os países mais pobres do mundo, mas tampouco são a Noruega. Os três gigantes ainda têm milhões de miseráveis e não podem se esquecer disso.

Resumindo: a barganha de Trump pode valer a pena, desde que feita com cautela para minimizar o impacto político.

O pior dos mundos seria mudar o status na OMC e não entrar na OCDE. Nas negociaçõe­s internacio­nais, um lado só deve avançar quando o outro também caminhar.

Barganha por OCDE pode valer a pena se controlar viés político ANÁLISE Raquel Landim

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