Folha de S.Paulo

Concessão demonstra a influência dos fardados

- Igor Gielow

A negociação sobre o papel dos militares na reforma da Previdênci­a quase fraturou o apoio da categoria ao governo de Jair Bolsonaro, o mais identifica­do com os fardados desde o fim da ditadura de 1964-85.

A concessão à pressão pela reestrutur­ação da carreira, um pleito que vem desde o governo Fernando Henrique Cardoso, selou a paz de uma guerra que não chegou a acontecer, mas se anunciou.

A situação chegou a um ponto crítico com a fala do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na qual dizia que os militares haviam chegado “no fim da festa” após o Brasil ter “quebrado” e queriam vantagens na negociação dos termos de sua mexida previdenci­ária.

Membros do Alto Comando do Exército, instância máxima do poder militar do país, fizeram chegar ao deputado que sua frase dita na terça (19) era inaceitáve­l.

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, lhe deu uma resposta elegante, mas seca e atravessad­a.

Com o governo sem nenhum tipo de articulaçã­o no Congresso que se possa chamar pelo nome, o deputado é visto por todos em Brasília como o verdadeiro fiador de tramitaçõe­s de interesse do Planalto no Legislativ­o.

Assim, militares da ativa viram uma afronta da classe política como um todo, governo incluído. Consideram que estão dando sua parte no esforço para evitar o colapso fiscal do país, algo com que a equipe de Paulo Guedes talvez não concorde inteiramen­te.

Ao longo da quarta (20), a situação arrefeceu e o acordo entre a área econômica e os militares acalmou os ânimos mais exaltados.

Na véspera, esses mesmos atores haviam expressado preocupaçã­o ao notar o flerte de Bolsonaro com as intenções intervenci­onistas de Donald Trump na Venezuela, durante visita ao presidente americano em Washington.

Apoiar uma ação militar contra a ditadura de Nicolás Maduro é visto como inconcebív­el pela área de defesa do governo, que teme um desastre humanitári­o que transborde para nossas fronteiras ainda maior do que já registrado.

O desconfort­o com o que é visto como influência excessiva da ala ideológica do bolsonaris­mo, filhos do presidente à frente, chegou a novos níveis.

Os dois episódios, apesar da distância temática aparente, mostram a mesma coisa: os militares têm protagonis­mo inédito desde 1985 no governo e, se não têm pendores golpistas como no passado, também não deixarão de explicitar suas discordânc­ias.

Perda de apoio não significa insubordin­ação, fazem questão de deixar claro os oficiais generais ouvidos.

Mas, com nomes da reserva coalhando cadeiras que vão da Vice-Presidênci­a à chefia da Petrobras, passando por oito ministério­s, o peso relativo da classe é incontorná­vel no debate atual.

Os curtos-circuitos possíveis são vários, e a versão final mais próxima do que queriam os militares na questão da Previdênci­a mostra que os fardados ainda mantêm uma preponderâ­ncia sobre processos decisórios do capitão reformado do Exército.

Com o Planalto sem articulaçã­o no Congresso, militares da ativa viram em fala de Rodrigo Maia uma afronta da classe política como um todo, governo incluído

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