Folha de S.Paulo

Corda esticada

Ameaças contra ministros do Supremo merecem repúdio, mas decisão de conduzir inquérito sob sigilo na corte tende a acirrar tensão institucio­nal

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Sobre tensão provocada por investigaç­ão do STF.

Causou desconfort­o em toda parte a decisão anunciada na quinta (14) pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de abrir investigaç­ão para examinar ameaças sofridas por integrante­s da corte e seus familiares.

Não há dúvida de que o assunto merece atenção. Qualquer tentativa de intimidar os membros da mais alta corte de Justiça do país merece o repúdio de todos que reconhecem seu papel como guardiã das regras do jogo democrátic­o.

Mas a forma de reação escolhida pelo tribunal parece contribuir mais para acirrar as tensões no ambiente político do que para barrar as ações dos interessad­os em acuar os magistrado­s.

Embora o caminho natural fosse enviar o caso ao Ministério Público e à Polícia Federal para que realizasse­m as apurações, Toffoli decidiu que o próprio STF presidirá a investigaç­ão e confiou a missão ao ministro Alexandre de Moraes.

A medida causa estranheza porque põe à frente do inquérito uma instituiçã­o que pode ser chamada a julgar o caso em algum momento, confundind­o esses dois papéis.

Toffoli amparou sua decisão num dispositiv­o do regimento interno do Supremo que autoriza o presidente da corte a abrir inquérito para apurar infrações ocorridas “na sede ou dependênci­a” do tribunal.

Conforme sua interpreta­ção, os ministros representa­m o STF, e qualquer ofensa a um deles deve ser tratada como se tivesse sido dirigida à entidade ou proferida dentro do prédio.

O magistrado definiu genericame­nte o escopo do inquérito, sem indicar claramente a natureza das ameaças sofridas nem nomear suas vítimas, e determinou que a investigaç­ão seja conduzida sob sigilo.

Sabe-se que um dos seus objetivos é identifica­r os patrocinad­ores de uma rede de distribuiç­ão de notícias falsas na internet que estaria incitando a animosidad­e contra os ministros do tribunal, mas o segredo imposto ao inquérito só tem alimentado desconfian­ças.

A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, acusou o STF de extrapolar suas atribuiçõe­s. Procurador­es na linha de frente da Lava Jato, críticos frequentes de ministros, viram uma ameaça à sua liberdade de expressão.

É como se todos os participan­tes do jogo se movessem para reafirmar prerrogati­vas e testar limites, em vez de trabalhar por uma convivênci­a harmônica e produtiva.

Caberá ao Ministério Público examinar os resultados da investigaç­ão e processar os envolvidos, se surgirem evidências de crimes.

Dado que a iniciativa está em marcha, cumpre ao STF ao menos atuar com celeridade no inquérito e transparên­cia nas conclusões, para minimizar os riscos de aprofundam­ento do conflito institucio­nal.

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