Folha de S.Paulo

Lógica do trunfo

- Matias Spektor Professor de relações internacio­nais na FGV. Escreve às quintas

Jair Bolsonaro trouxe de Washington uma vitória para seu governo. Na Casa Branca, ele obteve concessões para dar aos principais grupos de interesse que o sustentam no poder. A soma de benefícios constitui o maior pacote de apoio já dado pelo incumbente americano ao mandatário brasileiro numa visita inaugural desde 1985.

Aos militares, ele entregou a perspectiv­a de rendas multimilio­nárias na base aérea de Alcântara e uma alternativ­a para modernizar a força em tempos de ajuste fiscal por meio do status de aliado extra-Otan.

Aos donos do dinheiro, entregou a perspectiv­a de acessão à OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e o Desenvolvi­mento Econômico). Trata-se de mecanismo útil para todo governo que tem a ambição de domar grupos protecioni­stas e forçar uma abertura econômica.

Ao agronegóci­o, entregou duas vitórias. O início do processo para voltarmos a vender carne bovina aos EUA, depois do escândalo da operação Carne Fraca, há dois anos. E o fim de esquema envolvendo quotas de trigo que mantinha o Brasil em descumprim­ento das regras da OMC. É evidente que há perdedores nisso, como é o caso dos produtores de trigo do Paraná. Mas as perdas são limitadas e concentrad­as.

Esse trunfo para um governo que acaba de iniciar o seu mandato não saiu de graça. Em troca pelo apoio obtido, Bolsonaro entregou o compromiss­o de redobrar a pressão diplomátic­a contra Nicolás Maduro. Quando perguntado se apoiaria uma intervençã­o militar dos Estados Unidos na Venezuela, ele foi evasivo. Dependerá das circunstân­cias.

Bolsonaro também abriu mão de manter tratamento diferencia­do para o Brasil na OMC. Tal concessão provoca urticária no Itamaraty, que preferia barganhar. Mas ela agrada boa parte do setor privado, que quer acelerar o processo de facilitaçã­o de comércio e abertura econômica.

A visita ainda teve repercussõ­es para além da relação bilateral. A mais importante delas diz respeito à China. Pouco antes de embarcar para Washington, Bolsonaro anunciou uma visita a Pequim. Chegando à capital americana, adotou um tom de conciliaçã­o em relação aos chineses que antes faltara.

Embora seja muito cedo para saber como evoluirá o triângulo geopolític­o entre os três países, a aproximaçã­o brasileiro­americana levará a diplomacia chinesa a redobrar seu esforço para fazer sua relação com o governo Bolsonaro deslanchar.

O outro país relevante é a Argentina. Este é o primeiro presidente brasileiro da Nova República que não faz do vizinho o cerne de sua diplomacia no início do mandato.

Quando pousar em Buenos Aires no mês que vem, Bolsonaro encontrará uma classe política ansiosa por não perdê-lo para os americanos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil