Folha de S.Paulo

Krueger e o salário mínimo

Alan Krueger, morto neste fim de semana, revolucion­ou o pensamento econômico

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

Em artigo no jornal The New York Times sobre o extenso trabalho de pesquisa de seu colega professor na Universida­de de Princeton e ex-assessor econômico de Barack Obama Alan Krueger, que morreu no fim de semana passado, Paul Krugman resgatou, entre outros artigos, o estudo mais influente dele, publicado em 1994 em coautoria com David Card.

No trabalho, intitulado “Minimum Wages and Employment: a Case Study of the Fast Food in New Jersey and Pennsylvan­ia”, Card e Krueger revolucion­aram a área não apenas pelo método utilizado, que partiu de um experiment­o controlado para estimar o impacto de uma política pública, mas sobretudo por não encontrare­m o tal efeito negativo de aumentos do salário mínimo sobre o emprego, típico de manuais de introdução à economia.

Em um arcabouço em que o equilíbrio no mercado de trabalho se dá como no mercado de bens, o aumento do salário mínimo reduz a demanda por trabalho, pois torna a mão de obra mais cara, e eleva a oferta de trabalho, pois incentiva os trabalhado­res a trabalhar para ganhar mais: o resultado seria um excesso de oferta de trabalho em relação à demanda, ou seja, um aumento do desemprego.

Card e Krueger estimaram o efeito do aumento do salário mínimo de US$ 4,25 para US$ 5,05 por hora concedido em abril de 1992 em Nova Jersey a partir da construção de uma amostra de 400 restaurant­es de fast food do próprio estado de Nova Jersey e do leste do estado da Pensilvâni­a, região vizinha em que o aumento do salário mínimo não ocorreu.

O resultado encontrado foi que, apesar do aumento nos salários, o emprego em tempo integral em Nova Jersey não caiu em relação ao na Pensilvâni­a, até aumentou um pouco (ainda que de modo estatistic­amente não significan­te).

Múltiplos estudos foram produzidos desde então na linha de pesquisa que passou a ser chamada de “New Minimum Wage Research”, encontrand­o efeitos nulos ou muito pequenos do salário mínimo sobre o emprego, como apontou Charles Brown no “Handbook of Labor Economics”, em 1999. Em 2014, Dale Belman e Paul Wolfson examinaram os resultados de 70 artigos dessa literatura e concluíram a partir de uma meta-análise que o impacto do salário mínimo sobre o emprego é muito pequeno ou insignific­ante.

No Brasil, a valorizaçã­o real do salário mínimo de 60% entre 2003 e 2012 tampouco apresentou resultados negativos sobre a geração de empregos formais, conforme estimado por Fernando Satiel e Sergio Urzúa em artigo de 2017.

Além disso, o aumento do salário mínimo teria respondido pela maior parte da queda nas desigualda­des salariais observadas entre 2004 e 2014 (e mais ainda entre as mulheres), de acordo com os resultados do trabalho de Bruno Komatsu e Naércio Menezes Filho publicado em 2015.

Um painel do Forum IGM organizado em 2013 pela Booth School of Business da Universida­de de Chicago reuniu 41 economista­s influentes e realizou uma enquete sobre a proposta do governo Obama de aumentar o salário mínimo para US$ 9 por hora e indexá-lo à taxa da inflação.

O resultado foi que somente 34% dos economista­s presentes concordara­m com a proposição de que a medida tornaria mais difícil para trabalhado­res menos qualificad­os conseguir empregos. Além disso, 47% se disseram a favor da política, 14% foram contra e os demais declararam não ter certeza.

Embora o mesmo resultado dificilmen­te fosse observado em enquete similar realizada no Brasil, já está claro que a “New Minimum Wage Research” impactou o pensamento econômico de forma significat­iva nas últimas duas décadas. Alan Krueger merece, portanto, todas as homenagens que vem recebendo.

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