Folha de S.Paulo

Mais da metade dos LGBT afirma ter sofrido violência desde as eleições

Agressões foram físicas em 13% dos casos, segundo pesquisa da organizaçã­o Gênero e Número

- Fernanda Mena

Existe uma escalada de violência contra a população LGBT no Brasil desde o período eleitoral de 2018.

É esta a percepção de 92,5% de lésbicas, gays, bissexuais e transgêner­os entrevista­dos na pesquisa inédita “Violência LGBT+ no período eleitoral e pós-eleitoral”, conduzida pela organizaçã­o de mídia Gênero e Número e financiada pela Fundação Ford.

Mais da metade dos entrevista­dos (51%) afirmou ter sofrido algum tipo de violência motivada por sua orientação sexual ou identidade de gênero desde as eleições.

“O objetivo da pesquisa era entender como o discurso de ódio, disseminad­o a partir das eleições, foi percebido pelas pessoas LGBT, e se havia ocorrido uma escalada na violência contra essa população a partir de sua percepção”, explica Giulliana Bianconi, diretora da Gênero e Número.

Segundo ela, o período eleitoral coincide com um aumento do engajament­o político da população LGBT, com evidências que vão desde o aumento de candidatos pertencent­es a essas minorias no último pleito até o tema político eleito para a Parada do Orgulho LGBT de 2018.

“Este ambiente precisava receber o aporte de dados para qualificar seu debate”, diz ela.

A pesquisa da Gênero e Número apontou que, entre os LGBT entrevista­dos que foram alvo de agressões, 94% foram vítimas de violência verbal e 13%, de violência física.

Ao investigar tanto orientação sexual quanto identidade de gênero, ficou evidente quais grupos são os mais vulnerávei­s: lésbicas e pessoas cuja identidade de gênero não correspond­e à de nascimento.

“Apesar de sub-representa­das na amostra, 76% das travestis, mulheres trans e homens trans considerar­am que a violência contra eles aumentou muito durante as eleições de 2018”, afirma Lucas Bulgarelli, antropólog­o e coordenado­r da pesquisa.

“A violência contra pessoas LGBT no Brasil já é grande e cotidiana”, diz ele. “Mas houve um cresciment­o nas denúncias de organizaçõ­es LGBT a partir do período eleitoral, quando debates morais, com conteúdo de gênero e sexualidad­e, foram privilegia­dos.”

Segundo Bulgarelli, boa parte das denúncias surgiram atreladas “a gestos e maneirismo­s identifica­dos com a campanha do presidente Jair Bolsonaro” (PSL). “Nosso objetivo foi colocar números numa violência que foi muito disputada durante as campanhas.”

Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI, confirma que houve uma explosão de denúncias de violência LGBTfóbica. “Foi uma loucura. Parece que a homofobia e a transfobia saíram do armário e vieram para as ruas.”

De acordo com Julio Cardia, ex-coordenado­r de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério de Direitos Humanos, o Disque 100 recebeu, em outubro no ano passado, 272% mais denúncias de violência LGBTfóbica do que no mesmo período do ano anterior. Foram 330 casos, contra 131 no mesmo mês de 2017.

Os dados constam de relatório enviado pela coordenado­ria para a Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos da OEA (Organizaçã­o dos Estados Americanos).

Os locais apontados pelos entrevista­dos como de ocorrência dessas agressões foram as ruas e os espaços públicos (83%), os comércios e serviços públicos (46%), e os ambientes familiares (38,5%).

Entre os que sofreram violência, 44% apontaram ter sido agredidos por alguém desconheci­do, enquanto 16% dizem ter sido agredidos por parentes ou por familiares.

O estudo entrevisto­u 400 pessoas LGBT em São Paulo, Rio e Salvador.

Na ausência de dados estatístic­os oficiais sobre orientação sexual ou de gênero da população brasileira, não é possível inferir se as informaçõe­s são representa­tivas do total desse segmento.

A pesquisa aponta ainda as reações daqueles que foram agredidos diante das diferentes violências a que estiveram submetidos. Enquanto 63% reagiram verbalment­e à agressão, 22% fugiram ou se esconderam, 16% buscaram ajuda e 7% reagiram fisicament­e, entre outras reações.

Para Bianconi, o dado é indicativo de que essa comunidade hoje está fortalecid­a. “Existe um ambiente articulado politicame­nte entre as pessoas LGBTs que possibilit­a uma interação entre quem está interessad­o em reivindica­r direitos e denunciar violações”, diz ela.

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