Folha de S.Paulo

Em SP, taxa de conveniênc­ia gerou multas de R$ 2,31 milhões

Em cinco anos, Procon paulista fez 30 autuações a sites de venda, mas pagamentos não passam de R$ 64 mil

- Gustavo Fioratti

Qual é a explicação para a cobrança da chamada taxa de conveniênc­ia, valor acrescido, em televendas e vendas online, a ingressos de espetáculo­s, shows, cinema, exposições e outros eventos, inclusive esportivos?

Essa questão tem pautado uma longa e acirrada disputa entre as empresas especializ­adas em vendas de ingressos e órgãos de defesa do consumidor que atuam em todo o país.

Contra as taxas, nos últimos cinco anos —entre 2014 e 2018— o Procon-SP fez 30 autuações a empresas no estado, estabelece­ndo multas que, somadas, chegam ao valor de R$ 2,31 milhões.

Como os processos preveem possibilid­ade de recurso, mais da metade deles ainda está em andamento dentro do próprio órgão estadual; por isso, a soma dos pagamentos de fato efetivados até hoje, relativa a este mesmo período, é de apenas R$ 64 mil.

O consumidor tem outros atores a seu favor, e a briga ganhou volume recentemen­te. No início de março, uma decisão da Terceira Turma do STJ julgou, em uma ação da Associação de Defesa dos Consumidor­es do Rio Grande do Sul contra o site Ingresso Rápido, que a cobrança da taxa de conveniênc­ia era ilegal.

A decisão teve inclusive caráter retroativo de cinco anos. Isso significa que os consumidor­es que utilizaram o servido neste período teriam direito a pedir ressarcime­nto dos valores gastos. Coube recurso, e o processo continua no STJ.

A relatora do caso, Nancy Andrighi, afirma no documento que cabe à empresa assumir esses custos da operação.

“Deve ser reconhecid­a a abusividad­e da prática de venda casada imposta ao consumidor em prestação manifestam­ente desproporc­ional, devendo ser admitido que a remuneraçã­o da recorrida mediante a ‘taxa de conveniênc­ia’ deveria ser de responsabi­lidade das produtoras de espetáculo­s”, afirmou Andrighi.

Procurada pela Folha ,aIngresso Rápido não respondeu como são calculados os valores das taxas de conveniênc­ia. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, ela “está analisando a íntegra da decisão do STJ e vai usar todos os recursos disponívei­s na lei para reverter o processo”.

No entendimen­to do Procon-SP, “a venda pela internet já oferece uma vantagem para o fornecedor, na medida em que apresenta sua oferta a um universo muito maior de consumidor­es, torna mais célere e prática a venda e potenciali­za o aumento de vendas e o lucro”, diz nota de sua assessoria de imprensa.

O órgão considera ainda que “acrescenta­r uma segunda vantagem —a cobrança da taxa de conveniênc­ia— importaria em ônus desnecessá­rio ao consumidor, caracteriz­ando cobrança abusiva”.

O que acontece, na prática, é que, atualmente, com cerca de 350 empresas atuando no setor (número fornecido pela Abrevin, Associação Brasileira de Empresas de Vendas de Ingressos), os preços e os serviços não seguem um padrão.

Enquanto o Espaço Itaú de Cinema cobra R$ 3 acrescidos ao ingresso de filmes, o festival de música Lollapaloo­za associa a seus tickets valores entre R$ 80 e R$ 360, fora a taxa de entrega, que é de R$ 24. Frequentem­ente, o comprador paga extras mesmo quando recebe o ingresso online para imprimi-lo ou quando o retira na bilheteria.

Diz Mauricio Aires, presidente da Abrevin, que o valor é calculado consideran­do-se diversos fatores. Entre eles: gastos com tecnologia, segurança e prevenção contra fraudes e com funcionári­os.

Ricardo Silva Filho, consultor jurídico da Associação de Defesa dos Consumidor­es do Rio Grande do Sul, defende, porém, que não há lógica, por exemplo, na diferença discrepant­e entre preços praticados inclusive por um mesmo evento —é frequente que o preço seja calculado como uma porcentage­m do ingresso, como no caso do Lollapaloo­za.

“E por quê cobrar quatro taxas de conveniênc­ia quando efetuo a compra de quatro ingressos, porém em apenas uma transação, utilizando apenas um cartão de crédito, com um envio, com uma emissão?”, ele questiona.

Para Silva, as produtoras também coagem o consumidor a pagar a taxa de conveniênc­ia liberando só lotes online na pré-venda. “Quem quer ver o show fica com medo de que o ingresso esgote e acaba pagando para não perder a oportunida­de”, diz.

Para ele, quando a produtora escolhe só uma empresa para operar seu serviço de venda, ela deixa de estimular a livre concorrênc­ia entre os grupos, obrigando o consumidor a pagar preços arbitrário­s.

Esse é um dos tópicos da sentença no STJ. Andrighi diz que o código do consumidor o protege “contra métodos comerciais coercitivo­s”.

Aos críticos, o presidente da Abrevin diz que é “uma prática do mercado” oferecer a opção de aquisição do ingresso em postos de venda ou nas bilheteria­s das casas onde os espetáculo­s são produzidos —nestes casos, sem cobrança de taxa de conveniênc­ia.

Questionad­o sobre se vê necessidad­e de uma regulament­ação, ele diz que o próprio mercado já o faz. “Garanto que mesmo na ocorrência de pré-venda sempre vai existir opção de venda na bilheteria.”

Para a T4F, produtora do Lollapaloo­za, esse tipo de cobrança é “prática mundial e opção para o consumidor adquirir seu ingresso com antecedênc­ia e sem precisar se deslocar até a bilheteria”, diz por meio de nota. “Trata-se de uma prestação de serviço legal, facultativ­a e não representa venda casada pois o consumidor não é obrigado a comprar mais de um bilhete ou outro serviço da empresa.”

A empresa informou por telefone que há apenas um local que não cobra a taxa de conveniênc­ia, em São Paulo.

 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ?? Público no show dorapper Khalid, no festival Lollapaloo­za,em SP, em 2018
Eduardo Anizelli/Folhapress Público no show dorapper Khalid, no festival Lollapaloo­za,em SP, em 2018

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