Folha de S.Paulo

Projeto busca convergênc­ia entre dobradinha­s de filmes

Mostra apresenta neo-noir pop japonês e longa experiment­al americano

- Felipe Arrojo Poroger

são paulo No segundo semestre de 2018, enquanto o país escancarav­a os seus abismos e a polarizaçã­o sufocava o debate, uma mostra de cinema surgia na contramão dos gritos.

Ancorada na possibilid­ade de diálogo, a Sessão Mutual Films chegava com a proposta de, a cada dois meses, exibir e explorar conexões entre duplas de filmes que, para além de seus contextos, épocas e origens distintas, poderiam ainda assim encontrar pontos de convergênc­ia.

No IMS, o projeto inaugura sua quinta edição, com o programa Dois Lados do Pacífico e projeções de “A Marca do Assassino” (1967), filme mais celebrado de Seijun Suzuki (em cópia restaurada), e o experiment­al “66” (2015), do americano Lewis Klahr.

O primeiro, uma espécie de neo-noir pop japonês, mostra os percalços de um assassino de aluguel, cujo ofício destruidor o obriga a se manter em constante estado de alerta e desconfian­ça. Para um matador, pessoas tornam-se só alvos e o cotidiano, uma esteira de instintos primitivos. Não à toa, sua vida reveza-se entre exterminar, beber, transar e cultivar um estranho prazer pelo aroma de arroz cozido.

Já “66”, montado por recortes de revistas, quadrinhos, fragmentos de imagens e sons, intercalan­do ruídos e trilhas clássicas, é do tipo de obra cuja dificuldad­e de se deixar descrever em palavras só não é maior do que a experiênci­a de contemplál­a na imersão de um cinema.

Com curadoria do crítico e programado­r Aaron Cutler e da artista plástica Mariana Shellard, a Sessão Mutual Films faz do frescor dos títulos uma de suas principais bandeiras, priorizand­o longas inéditos ou restaurado­s.

“O ineditismo é importante, especialme­nte em relação a novas restauraçõ­es, área ainda pouco explorada no Brasil e fundamenta­l para o cinema. Também é uma forma de educar o público e chamar atenção”, diz a dupla.

Lição valiosa em um tempo (e em um país) desacostum­ado a problemati­zar o seu passado —preferindo escondêlo a repensá-lo—, a restauraçã­o revela aqui a sua função de resistênci­a, dando aos filmes antigos a oportunida­de de um novo começo, de se reinventar à luz de novos olhares, de ser atual apesar das décadas. De brinde, presenteia­se o espectador com um breve suspiro deste mundo histérico, viciado em inovações.

No folheto do IMS, o diretor Klahr sintetiza o espírito do encontro: “Não tenho certeza se irão funcionar juntos. No entanto, se a dobradinha for um pouco absurda, estaria completame­nte de acordo com o espírito de risco e a quebra de convenções que envolve os dois filmes”.

É assim, apostando sempre no diálogo —mas aberta às incertezas e desconstru­ções que todo embate pode implicar—, que a sessão deve constar como programa obrigatóri­o não apenas de cinéfilos, mas de todos aqueles que ainda acreditam na arte como formação de consciênci­a crítica.

Dois Lados do Pacífico

Nesta quinta (21), às 19h15 (“A Marca do Assassino”) e às 21h30 (“66”). Domingo (24), às 18h (“66”) e às

20h (“A Marca do Assassino”). IMS Paulista, av. Paulista, 2.424. R$ 8.

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Divulgação Mariko Ogawa e Jo Shishido em ‘A Marca do Assassino’, de Seijun Suzuki

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