Projeto busca convergência entre dobradinhas de filmes
Mostra apresenta neo-noir pop japonês e longa experimental americano
são paulo No segundo semestre de 2018, enquanto o país escancarava os seus abismos e a polarização sufocava o debate, uma mostra de cinema surgia na contramão dos gritos.
Ancorada na possibilidade de diálogo, a Sessão Mutual Films chegava com a proposta de, a cada dois meses, exibir e explorar conexões entre duplas de filmes que, para além de seus contextos, épocas e origens distintas, poderiam ainda assim encontrar pontos de convergência.
No IMS, o projeto inaugura sua quinta edição, com o programa Dois Lados do Pacífico e projeções de “A Marca do Assassino” (1967), filme mais celebrado de Seijun Suzuki (em cópia restaurada), e o experimental “66” (2015), do americano Lewis Klahr.
O primeiro, uma espécie de neo-noir pop japonês, mostra os percalços de um assassino de aluguel, cujo ofício destruidor o obriga a se manter em constante estado de alerta e desconfiança. Para um matador, pessoas tornam-se só alvos e o cotidiano, uma esteira de instintos primitivos. Não à toa, sua vida reveza-se entre exterminar, beber, transar e cultivar um estranho prazer pelo aroma de arroz cozido.
Já “66”, montado por recortes de revistas, quadrinhos, fragmentos de imagens e sons, intercalando ruídos e trilhas clássicas, é do tipo de obra cuja dificuldade de se deixar descrever em palavras só não é maior do que a experiência de contemplála na imersão de um cinema.
Com curadoria do crítico e programador Aaron Cutler e da artista plástica Mariana Shellard, a Sessão Mutual Films faz do frescor dos títulos uma de suas principais bandeiras, priorizando longas inéditos ou restaurados.
“O ineditismo é importante, especialmente em relação a novas restaurações, área ainda pouco explorada no Brasil e fundamental para o cinema. Também é uma forma de educar o público e chamar atenção”, diz a dupla.
Lição valiosa em um tempo (e em um país) desacostumado a problematizar o seu passado —preferindo escondêlo a repensá-lo—, a restauração revela aqui a sua função de resistência, dando aos filmes antigos a oportunidade de um novo começo, de se reinventar à luz de novos olhares, de ser atual apesar das décadas. De brinde, presenteiase o espectador com um breve suspiro deste mundo histérico, viciado em inovações.
No folheto do IMS, o diretor Klahr sintetiza o espírito do encontro: “Não tenho certeza se irão funcionar juntos. No entanto, se a dobradinha for um pouco absurda, estaria completamente de acordo com o espírito de risco e a quebra de convenções que envolve os dois filmes”.
É assim, apostando sempre no diálogo —mas aberta às incertezas e desconstruções que todo embate pode implicar—, que a sessão deve constar como programa obrigatório não apenas de cinéfilos, mas de todos aqueles que ainda acreditam na arte como formação de consciência crítica.
Dois Lados do Pacífico
Nesta quinta (21), às 19h15 (“A Marca do Assassino”) e às 21h30 (“66”). Domingo (24), às 18h (“66”) e às
20h (“A Marca do Assassino”). IMS Paulista, av. Paulista, 2.424. R$ 8.