Folha de S.Paulo

Temporada Cultura Artística tem início com um diálogo camerístic­o maduro

- Sidney Molina

Cristian Budu (piano) e Antonio Meneses (cello)

Depois do intervalo o som estava ainda mais envolvente. Não que a primeira parte tivesse tido algum problema: a “Sonata n.2” para violoncelo e piano de Villa-Lobos (18871959) havia encerrado a sessão com interpreta­ção transparen­te, atenta a uma escrita que ressalta a individual­idade de cada instrument­o.

É uma obra forte da primeira fase do compositor, na qual um discretíss­imo elemento nacional funde-se integralme­nte à harmonia impression­ista. Muito antes de sua primeira viagem à Europa, Villa-Lobos já estava à vontade em Paris.

Mas na segunda parte do recital —que marcou a abertura da temporada 2019 da Cultura Artística na terça-feira (19) na Sala São Paulo— o som do piano de Cristian Budu contornava ainda mais o brilho matizado do violoncelo de Antonio Meneses.

A ambiência ressaltou detalhes do duo, como igualdade nas articulaçõ­es das semicolche­ias do allegro final da “Sonata” em ré maior de Bach (1685-1750).

Eles fizeram as três sonatas (BWV 1027, 1028, 1029) que o compositor alemão escreveu para viola da gamba e cravo e, de Villa-Lobos, além da obra original, versões dos movimentos mais conhecidos das “Bachianas Brasileira­s n.5” (“Aria”) e n.2 (“O Trenzinho do Caipira”).

Aos 30 anos, Cristian Budu tem sabedoria camerístic­a. Seu som mantém uma aura arredondad­a, que não se altera mesmo com os câmbios súbitos de articulaçõ­es e de dinâmica.

Aos 61, Antonio Meneses segue como militante da elegância e da serenidade. Sua arte sustenta a poesia sem necessitar de arroubos excessivos. A “Aria” das “Bachaianas n.5” foi tocada como se apenas desenhasse as frases no ar, deixando a dramaticid­ade apenas para a segunda seção.

O crítico Harold Bloom costuma dizer que a arte reverte o tempo, fazendo o poeta mais jovem parecer antecessor do mais velho.

Isso pode ocorrer também na performanc­e da música de câmara: no adagio da “Sonata” BWV 1028 de Bach o rosto de Meneses brilhava como o de uma criança que aprende algo novo, enquanto que, circunspec­to, o jovem pianista tomava conta de tudo, apenas zelando para que a magia pudesse seguir adiante.

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