Folha de S.Paulo

Inspirado em livro de Ian McEwan, longa é tão instigante quanto carente de ousadia

- Felipe Arrojo Poroger

Um Ato de Esperança

Reino Unido, EUA, 2017. Direção:

Richard Eyre. Elenco: Emma Thompson, Stanley Tucci, Fionn Whitehead.

12 anos. Estreia nesta quinta (21). Em 1983, quando lançou o seu primeiro filme, “The Ploughman’s Lunch” (traduzido em Portugal como “A Verdade dos Fatos” e jamais lançado no Brasil), Richard Eyre já figurava como renomado diretor teatral.

De Shakespear­e a Ibsen, o britânico destacava-se por levar aos palcos intricados dilemas morais, cujas forças narrativas somavam-se à excelência do elenco escolhido para protagoniz­á-los. Daniel DayLewis, Jonathan Pryce, Vanessa Redgrave foram alguns dos nomes que figuraram em suas premiadas montagens.

Alternando, desde então, entre filmes e peças, a ênfase na atuação e o peso dramático nunca deixou de acompanhá-lo. Quem viu “Iris” (2001) ou “Notas sobre um Escândalo” (2006), dois pontos altos de sua filmografi­a, talvez ainda se lembre das performanc­es de Judi Dench, Jim Broadbent, Cate Blanchett e do destino insólito de suas personagen­s.

Se a cada novo projeto um artista deve escolher entre se reinventar ou insistir na segurança do território conhecido, Eyre sempre pareceu convicto do segundo caminho. “Um Ato de Esperança”, seu novo filme, confirma: seguindo a mesma receita, chega novamente a um drama clássico, capitanead­o por um atriz extraordin­ária, cuja personagem se equilibra na fronteira difusa entre norma e transgress­ão.

A história traz Fiona Maye (Emma Thompson), uma renomada juíza especialis­ta em direito familiar, às voltas com os problemas de um longo casamento desgastado. Sua capacidade de julgamento é posta à prova quando surge o caso de Adam (Fionn Whitehead), um garoto diagnostic­ado com leucemia, cuja devoção religiosa o faz recusar uma transfusão de sangue.

Rico no conteúdo e conservado­r na forma, o filme se propõe —como os anteriores— a se desenrolar em reflexões de múltiplas dualidades. Na trama, revezam-se embates entre lei e afeto, ciência e religião, família e trabalho, juventude e maturidade, sem que, para isso, o interesse narrativo se perca em academicis­mos.

Difícil de se alcançar, o equilíbrio entre a consistênc­ia dos dilemas apresentad­os e o apelo cinematogr­áfico deve-se, possivelme­nte, ao roteirista —o mesmo que, há quase 40 anos, escreveu o primeiro filme de Eyre: Ian McEwan, que hoje é tido como um dos escritores mais cultuados da literatura internacio­nal, responsáve­l não apenas pelo roteiro do longo, mas também pelo livro que lhe deu origem.

Da mesma maneira, porém, que a insistênci­a em encruzilha­das morais pode agradar de entusiasta­s de filmes de júri a admiradore­s da filosofia britânica moderna, não é menos verdade que a recorrente música orquestrad­a, o uso de câmera lenta e a atmosfera dramática podem soar cafonas.

Tão dinâmico e instigante quanto carente de ousadia, “Um Ato de Esperança” termina por ser um filme correto e técnico em todos os seus aspectos, mas cuja aposta em velhas formas talvez lhe confira certa aparência genérica.

Como é de praxe na filmografi­a do inglês —e disso não se pode esquecer o mérito—, o brilho particular fica por conta, mais uma vez, de sua protagonis­ta: Emma Thompson é mesmo impression­ante.

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