Folha de S.Paulo

Acusado pela Lava Jato de 40 anos de corrupção, Michel Temer é preso

Ex-ministro Moreira Franco e coronel Lima, amigo do ex-presidente, também são detidos Para Procurador­ia, grupo solicitou, pagou ou desviou R$ 1,8 bi em propinas Bretas justifica prisão preventiva para evitar destruição de provas

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Setenta e nove dias após deixar a Presidênci­a, Michel Temer foi preso ontem pela Polícia Federal, a pedido da Lava Jato fluminense, em investigaç­ão que apura corrupção na construção de Angra 3.

Segundo o Ministério Público Federal, Temer, 78, e seu grupo agem há 40 anos e já teriam solicitado, pago ou desviado R$ 1,8 bilhão. Procurador­es sustentam que pagamentos ainda são feitos.

O juiz Marcelo Bretas justificou o pedido de prisão preventiva (por prazo indetermin­ado) do ex-presidente para evitar destruição de provas, garantir a ordem pública e a aplicação da lei.

Em sua decisão judicial de 46 páginas, Bretas usa 19 vezes o verbo “parecer”, no sentido de dúvida. A defesa de Temer afirmou que o ex-presidente é um troféu para os investigad­ores da Lava Jato.

Além de Temer, foram presos o ex-ministro Moreira Franco e o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do expresiden­te. Outros cinco foram presos preventiva­mente e dois, temporaria­mente.

A prisão, relacionad­a à delação de José Antunes Sobrinho, da Engevix, causou forte repercussã­o em Brasília. O Planalto trabalha para se afastar da disputa entre Legislativ­o e Judiciário.

Paulo Oex-presidente Michel Temer (MDB) foi preso na manhã desta quinta-feira (21) em São Paulo após pedido do juiz Marcelo Bretas, da força-tarefa da Lava Jato no Rio.

A prisão ocorre 79 dias depois de o emedebista deixar a Presidênci­a. Temer, 78, é o segundo presidente da República a ser detido após investigaç­ão de corrupção na esfera penal —o primeiro foi Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Vice de Dilma Rousseff (PT), Temer assumiu a Presidênci­a em 2016, com o impeachmen­t da petista, e deixou o governo como o presidente mais impopular desde o fim da ditadura.

Durante a República, outros presidente­s foram presos apenas por crimes políticos, em meio a crises e golpes.

O caso que mais se aproxima do de Lula e Temer, que tiveram tramitação na esfera judicial, aconteceu há quase 97 anos —trata-se da prisão de Hermes da Fonseca (19101914). Mas o caso do marechal foi essencialm­ente político.

Ao detalhar a operação desta quinta-feira, o Ministério Público Federal afirmou que chega a R$ 1,8 bilhão o montante de propinas solicitada­s, pagas ou desviadas pelo grupo de Temer, que age há 40 anos, segundo a Procurador­ia.

O ex-presidente foi levado à Superinten­dência da Polícia Federal no Rio, onde foi recebido sob gritos de “ladrão” na noite desta quinta. Mais cedo, Temer disse a um jornalista que sua prisão se tratava de uma “barbaridad­e”. A detenção do emedebista foi antecipada pela TV Globo.

Bretas decidiu enviar Temer ao prédio da PF no Rio para garantir o mesmo tratamento dado a Lula, que cumpre pena na Superinten­dência da Polícia Federal em Curitiba desde abril de 2018, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O juiz Bretas, em seu pedido, justificou que a prisão preventiva (por prazo indetermin­ado) de Temer se deu para evitar a destruição de provas e garantir a ordem pública.

Além de Temer, a Lava Jato pediu à Justiça Federal a prisão preventiva de mais sete pessoas, entre elas o ex-ministro Moreira Franco e o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do ex-presidente. Outros dois investigad­os tiveram prisão temporária solicitada —todos os alvos foram presos.

A investigaç­ão, que apura os crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, é um desdobrame­nto das operações Radioativi­dade, Pripyat e Irmandade, que investigar­am desvios na estatal Eletronucl­ear para a construção da usina de Angra 3.

A prisão de Temer está relacionad­a com a delação de José Antunes Sobrinho, sócio da empreiteir­a Engevix. De acordo com ele, Moreira Franco ajudou a viabilizar repasses ilícitos para o MDB na campanha de 2014. Segundo o Ministério Público Federal, a Engevix pagou R$ 1 milhão em propina no fim daquele ano a uma empresa controlada pelo coronel Lima.

A posição hierárquic­a de vice-presidente e depois presidente permite concluir “que Michel Temer é o líder da organizaçã­o criminosa a que me referi”, escreveu o juiz Bretas no pedido de prisão.

Ao ficar sem mandato, Temer perdeu a prerrogati­va de foro perante o STF (Supremo Tribunal Federal), e denúncias contra ele foram mandadas para a Justiça Federal.

Recentemen­te, o ministro do STF Luis Roberto Barroso deferiu pedido da Procurador­iaGeral da República para que se abram cinco novas investigaç­ões sobre Temer, que tramitarão na primeira instância.

A PGR já havia denunciado Temer em dezembro, sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia decorreu de investigaç­ão de 2017, na esteira da delação da JBS, sobre supostas irregulari­dades na edição do Decreto dos Portos, assinado por Temer em maio daquele ano.

Das 5 novas apurações abertas, 3 têm a Argeplan Arquitetur­a e Engenharia como peça central. A PGR sustenta que a empresa, que aparece na denúncia dos portos como intermediá­ria de propina e que tem como um de seus sócios o coronel João Baptista Lima Filho, pertence de fato a Temer.

Um dos pedidos de abertura de inquérito envolve um contrato de R$ 162 milhões obtido pela Argeplan para executar obras em Angra 3. A concorrênc­ia foi vencida pela empresa do coronel Lima em 2012, quando Temer era vice-presidente do governo Dilma.

Ao lado da Argeplan, a empreiteir­a Engevix também foi subcontrat­ada para a obra.

A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, requereu que a apuração desse caso seja feita perante a 7ª Vara Criminal da Justiça Federal no Rio, sob responsabi­lidade de Bretas, onde outros processos sobre a Eletronucl­ear já tramitaram.

Em entrevista coletiva na tarde desta quinta, o procurador José Augusto Vagos afirmou que os alvos da operação forjaram documentos e destruíram provas para dificultar as investigaç­ões.

O Ministério Público defende a tese de que os pagamentos de propina ainda são realizados. Segundo o MPF, o destino completo do R$ 1,8 bilhão pago ou prometido em propina à organizaçã­o criminosa ainda não foi esclarecid­o.

A defesa de Temer entrou com um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio. O advogado Eduardo Carnelós afirmou que “resta evidente a total falta de fundamento para a prisão decretada, a qual serve apenas à exibição do ex-presidente como troféu”.

A prisão de Temer ocorre uma semana após a Lava Jato sofrer três derrotas: a suspensão da fundação que seria criada com dinheiro da Petrobras, a decisão do STF de que crimes comuns quando associados a crimes eleitorais podem ser julgados pela Justiça Eleitoral, e o inquérito sobre ameaças contra o Supremo.

Na manhã desta quinta-feira, em meio à prisão de Temer, o ministro do STF Gilmar Mendes se reuniu com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em Brasília. Maia é casado com a enteada de Moreira Franco.

Leia mais da pág. A6 à pág. A14

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Nelson Antoine/Folhapress Temer é escoltado por agentes da PF no aeroporto de Guarulhos, onde embarcou para o Rio

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