Folha de S.Paulo

Políticos se blindarão por instinto de sobreviver

- Bruno Boghossian

Grampeado por Joesley Batista e denunciado por corrupção, Michel Temer buscou proteção entre seus pares. Símbolo da velha política no velho MDB, o então presidente se cercou de deputados e atacou o procurador-geral Rodrigo Janot. No meio do discurso, lançou o alerta aos colegas: aquele caso criava um “precedente perigosíss­imo”.

Em geral, as engrenagen­s de Brasília parecem girar sem coordenaçã­o, de acordo com os interesses de cada grupo. A máquina, no entanto, alinha-se perfeitame­nte quando uma classe se sente ameaçada. Temer fez um feirão de cargos para continuar no poder, mas contou com o espírito de corpo dos parlamenta­res para derrubar as denúncias de Janot.

A prisão do ex-presidente deve reacender o sentimento de autopreser­vação entre os políticos. As tensões entre Congresso e Lava Jato estavam em fase de reacomodaç­ão depois da eleição que varreu caciques poderosos. Agora, a tropa pode voltar à formação original para se defender.

A operação desta quinta (21) foi interpreta­da entre dirigentes partidário­s como uma tentativa de demonstraç­ão de força de juízes e procurador­es que se sentem cercados por decisões do STF. O instinto de sobrevivên­cia provocará, no mínimo, um esforço comunitári­o de blindagem.

As investigaç­ões abertas contra Temer nos últimos anos produziram indícios vastos de um esquema de corrupção. Muitos políticos considerar­am, porém, que prendê-lo antes da condenação foi um gol de mão.

O nervosismo coletivo pode dificultar a vida do governo Bolsonaro, que tem uma pauta extensa para aprovar no Congresso. O pacote anticorrup­ção de Sergio Moro, em especial, deve sofrer novas resistênci­as. A reforma da Previdênci­a também terá que lutar contra esse distúrbio.

O vice Hamilton Mourão demonstrou preocupaçã­o e disse que o caso provoca um ruído. Bolsonaro, como de hábito, foi no sentido contrário. Tentou enaltecer seu governo, tripudiou sobre a política e disse que a prisão era resultado de acordos “em nome da governabil­idade”.

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