Folha de S.Paulo

É constrange­dor ter dois ex-presidente­s presos

- Clóvis Rossi

A prisão de Michel Temer deixa o Brasil na seguinte situação constrange­dora: dos oito presidente­s que assumiram o cargo desde a redemocrat­ização de 1985, dois estão presos (Lula e, agora, Temer) e dois foram afastados do cargo em processos de impeachmen­t (Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff ).

Para não mencionar Tancredo Neves, eleito indiretame­nte e que nem chegou a tomar posse. Na véspera dela, baixou ao hospital e dele só saiu para outro hospital e deste para o cemitério.

José Sarney, que assumiu no lugar de Tancredo, não sofreu impeachmen­t formal mas foi popularmen­te cassado, tal o desprestíg­io com que deixou o cargo. Dilma, então, sofreu os dois “impeachmen­ts”: o de facto e o da rua, caracteriz­ado por um pico de impopulari­dade.

O mais recente eleito, Jair Bolsonaro, já sofre um desgaste inédito em apenas dois meses e meio de governo.

Tudo somado, tem-se uma de duas hipóteses (talvez ambas): a política brasileira apodreceu de maneira absurda ou foi amaldiçoad­a por Deus, para os que acreditam Nele. Da lista de presidente­s, o único que parece imune à total desgraça é Fernando Henrique Cardoso, que nem foi afastado prematuram­ente nem está preso.

Só que não: não dá para esquecer que FHC sofreu um “impeachmen­t” branco de seu próprio partido, que, em todas as campanhas eleitorais após sua Presidênci­a, fez questão de escondê-lo com o maior zelo, como se ele fosse tóxico.

Quem, como eu, não crê em bruxas, fica obrigado a constatar que a mais importante reforma de que o Brasil necessita é a da política. Não adianta uma reforma das regras. Ou há uma mudança profunda de mentalidad­e no mundo político —e entre os eleitores— ou fica aberta uma autopista gigantesca para aventureir­os de todos os naipes. Seria salgar a ferida já aberta pela decadência visível a olho nu.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil