Folha de S.Paulo

Sul-americanos criam bloco para pressionar ditadura de Maduro

Com participaç­ão do Brasil, Prosul deve substituir a Unasul, ativada por Hugo Chávez

- Sylvia Colombo

Será lançada nesta sexta-feira (22) mais uma tentativa de formar um bloco de cooperação entre países da América do Sul. Depois da Aliança do Pacífico, do Mercosul, da Celac, que continuam existindo, e de outras que não prosperara­m, surge o Prosul, uma iniciativa dos presidente­s Sebastián Piñera, do Chile, e Iván Duque, da Colômbia.

Estarão na primeira reunião em Santiago, além de ambos, o presidente Jair Bolsonaro, o argentino, Mauricio Macri, o paraguaio, Mario Abdo, e o peruano, Martín Vizcarra.

O conceito geral do bloco é reunir “países democrátic­os que praticam o livre-comércio”, nas palavras de Piñera, e pressionar a Venezuela para que se redemocrat­ize. Pelo menos até que o ditador Nicolás Maduro deixe o poder, o Prosul não terá a Venezuela.

“A proposta é criar uma nova referência na América do Sul para uma melhor coordenaçã­o, cooperação e integração regional, livre de ideologias, aberto a todos e 100% comprometi­da com a democracia e com os direitos humanos.”

O grupo também surge após o esvaziamen­to da Unasul, bloco idealizado pelo venezuelan­o Hugo Chávez (19542013) e que foi sendo abandonado por vários países justamente por não estarem dispostos a dialogar com a Venezuela nas condições atuais.

Em seus primeiros anos, o bloco reunia países com presidente­s de distintas ideologias, como o direitista Álvaro Uribe (Colômbia) e os esquerdist­as Evo Morales (Bolíva), Néstor e Cristina Kirchner (Argentina) e Luís Inácio Lula da Silva (Brasil).

O que muitos se perguntam é qual vai ser a serventia do Prosul, que em muito se sobrepõe a blocos que já vêm funcionand­o, mal (Mercosul) ou bem (Aliança do Pacífico).

“É uma má ideia que substitui outra má ideia, que foi a Unasul”, disse o analista político chileno Patricio Navia. “Ao se formar um bloco com caracterís­tica ideológica marcada, ele está condenado a falir se amanhã os líderes desses países forem de esquerda.”

“Para pressionar a Venezuela, já existe o Grupo de Lima. E quanto a ações mais pragmática­s para o comércio, já existem a Aliança do Pacífico e o Mercosul”, acrescenta.

Juan Manuel Urtubey, governador de Salta e pré-candidato à eleição argentina, acha que o caminho seria esvaziar os dois blocos e fazer um só, que poderia ser o Prosul. “Não há razão para que a América do Sul tenha de se dividir em blocos diferentes, isso nos debilita.”

O fato de o bloco ser marcado pela participaç­ão de líderes de centro-direita ou de direita já está afastando alguns países. Uruguai e Bolívia, por exemplo, não participar­ão.

Hoje a Unasul conta com cinco países —Bolívia, Guiana, Suriname, Uruguai e Venezuela—, e seu futuro é incerto. Perdeu ainda sua sede em Quito, após o presidente do Equador, Lenín Moreno retirar seu país do bloco.

Além do encontro do Prosul, Bolsonaro terá um encontro bilateral com Piñera, no La Moneda, no sábado (23). Apesar do clima hostil por parte da oposição, que vai boicotar o almoço em homenagem ao brasileiro, os dois têm temas em comum para conversar.

Entre eles, o comércio bilateral (o Brasil é o principal destino das exportaçõe­s chi- lenas) e o estímulo ao livre-comércio. Piñera é um liberal na economia e um conservado­r moderado nos costumes, e o Chile é o país sul-americano com mais tratados de livrecomér­cio.

Outro tema é a segurança. Apesar do bom desempenho econômico —o Chile cresceu 4% em 2018—, a aprovação popular de Piñera vem caindo. Uma das maiores reclamaçõe­s da população é o aumento da violência, embora seja o segundo país menos violento da América do Sul (o primeiro é o Uruguai).

Por isso, segundo Navia, Piñera vem se aproximand­o da ala mais à direita da coalizão que o apoia e tomando medidas de mão dura nessa área.

Mas há temas que Piñera vai preferir evitar, segundo fontes diplomátic­as chilenas ouvidas pela Folha. Ele condena a ditadura pinochetis­ta (1973-1990) e sempre fez questão de dizer que votou pelo “não” no plebiscito de 1989 que decidiu o fim do regime militar.

Já Bolsonaro fez elogios públicos a pessoas como o torturador Brilhante Ustra e, mais recentemen­te, ao general Alfredo Stroessner, ditador do Paraguai entre 1929 e 1989.

Chilenos prepararam pelo menos dois atos para os próximos dias. Na noite sexta haverá uma marcha para que “Bolsonaro saiba que é persona non grata no Chile”. Feministas farão uma manifestaç­ão diante do La Moneda, durante o almoço de sábado.

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Martin Bernetti/AFP O presidente Jair Bolsonaro chega para cúpula e bilateral em Santiago, no Chile

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