Folha de S.Paulo

Empresa dona do Smiley busca expansão no Brasil

Brasil entra em onda de infelicida­de, e empresa dona do Smiley busca expansão no país e na América Latina

- Pedro Diniz

“Aproveite o tempo para sorrir.” A chamada na capa do extinto jornal francês France Soir, em janeiro de 1972, sugeria aos leitores uma “pausa para sorrir” em meio a uma série de catástrofe­s e notícias ruins. Apontava, acima do texto, uma carinha amarela sorridente, o Smiley, impressa em todas as matérias positivas publicadas naquele dia.

Nascia, assim, um dos ícones da cultura pop, avô dos emojis usados na linguagem virtual e uma figura central de longos processos de propriedad­e intelectua­l. Todos movidos pelo criador do desenho, o jornalista Franklin Loufrani, e seu filho e atual presidente da empresa inglesa The Smiley Company, Nicolas Loufrani, espécie de pai dos emoticons.

Listada entre as cem maiores companhias de licenciame­nto do mundo, com produtos que vão de roupas até comida —uma das parcerias mais vitoriosas da marca é com a McCain Foods, com quem divide os lucros das batatas fritas sorridente­s —, a Smiley planeja associar-se pela primeira vez a marcas do país.

A moda está no cerne dos encontros que Loufrani agendou com executivos brasileiro­s nesta semana como parte da expansão latino-americana do sorriso. Ele ainda não revela nomes, mas três marcas nacionais estão em negociaçõe­s avançadas para fechar contratos de licenciame­nto.

A reportagem apurou que a Havaianas, do grupo Alpargatas, é uma delas, e deve ser uma das primeiras a lançar os chinelos felizes de borracha. Grifes colombiana­s também estão na fila de parcerias, e se juntarão a Zara, Moschino, Supreme, C&A, Fendi, Pantone, Moncler e às centenas de marcas de moda que já imprimiram uma pretensa, e, em alguma medida, ingênua felicidade em seus looks.

Curiosamen­te, tanta fofura chegará num momento em que os brasileiro­s estão comprovada­mente mais infelizes.

O novo Relatório Mundial da Felicidade, publicado na quarta-feira (20) pela Rede de Soluções para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l, um braço da ONU que produz o documento a partir de dados como PIB e qualidade de vida dos países, mostra que o Brasil caiu 16 posições no ranking de felicidade das nações desde 2015. Hoje, está na 32ª posição; antes, estava na 17ª.

A escalada de infelicida­de é global, mas é acentuada num país que, segundo a pesquisa, é o menos generoso da América Latina —108º lugar, numa lista mundial de 156.

Esse sorriso amarelo no rosto dos brasileiro­s não assusta Loufrani e seus planos de capitaliza­r a felicidade. “As pessoas aqui estão sempre sorrindo e dançando mais do que em qualquer outro lugar. Há sim violência e crise financeira, mas também um pensamento positivo único”, diz.

Mas o império das carinhas amarelas que fatura cerca de R$ 690 milhões por ano nos mais de 80 países onde sorriem só existe porque, na segunda metade dos anos 1990, parou só de sorrir.

Quando Nicolas Loufrani assumiu o controle do desenho do pai, a empresa “estava morta”, como ele define, com licenciame­ntos sem valor agregado e lucros tímidos.

Passou a investir em moda, em festivais de música eletrônica —até hoje versões da carinha amarela são estandarte dessa vertente musical — e, em 2001, lançou o dicionário Smiley, com duas centenas de expressões animadas para substituir a recém-criada linguagem virtual em pontinhos.

Na explosão da internet, foi dele a ideia de substituir :), ;), :(, :D e tantas outros sentimento­s pontuados. A primeira empresa a aderir à ideia foi a Alcatel, em 1996, que tinha o sorriso estampado na tela.

No ano seguinte, Loufrani digitalizo­u em 3D os desenhos e, a partir da virada do século, Samsung, Nokia e Motorola compraram direitos de uso dos desenhos. “Os pontinhos ficaram muito complexos para as pessoas usarem , confusos”, relembra.

Apesar de ter registrado suas criações, e ter feito fortuna com elas, ele não ganha um único centavo quando alguém manda um sorriso largo, triste ou raivoso para o “crush”.

Quando a ideia começou a vingar no ramo da tecnologia, ele conta, “cada empresa decidiu criar seu próprio dicionário, com linhas, dimensões e contraste de luz diferentes. São todos diferentes se você olhar com atenção”.

Os da Apple, por exemplo, que tem os emojis mais famosos, começaram a ganhar fama só a partir de 2010.

Se por um lado a mudança de tonalidade­s e linhas que definem os desenhos tiraram de Loufrani a possibilid­ade de lutar pelos direitos,são essas mesmas caracterís­ticas únicas que garantiram a seu pai o uso comercial do sorriso.

Oito anos antes do registro do Smiley na França, o designer gráfico americano Harvey Ball vendeu por US$ 45 uma bola amarela sorridente, que emulava o sol, a uma empresa que queria distribuir broches a seus funcionári­os. Em 1970, a carinha foi usada por dois irmãos americanos, Bernard e Murray Spain, em canecas, camisetas e outras bugigangas com o escrito “Have a Nice Day” (tenha um bom dia).

São eles que apareceram no filme “Forrest Gump”, em 1994, e na história em quadrinhos “Watchman” a partir de 1971, quando Loufrani registrou na França os direitos sobre a imagem, que se diferencia da de Harvey Ball pelas proporções dos olhos e o formato da circunferê­ncia. Quem riu por último, riu melhor.

Após registrar o desenho nos anos 1990 em diversos países, Loufrani transformo­u o rosto em marca cool. Nos anos 1980, a grife Moschino começou uma parceria que perdura até hoje, e, em 1997, a de jeans Levi’s colou o rosto pelas ruas. Neste ano, será a Lee.

Mas nem tudo é gargalhada. Em 2009, a marca entrou em uma briga ruidosa com a varejista Wal-Mart por uso sem li- cença do sorriso, usado desde os 1990 pela rede americana. Um desfecho sigiloso e milionário teria encerrado o litígio.

“Não queremos parcerias só pelo dinheiro. Nosso diferencia­l é criar histórias duradouras que tenham uma mensagem e incluam a marca dentro de um universo de felicidade”, diz Loufrani, com um reconhecív­el sorriso no rosto.

Em junho, ele conta, uma marca de cosméticos lançará uma loja Smiley Cosmetics na China em parceria com um distribuid­or de perfumes local que precisa atingir clientes jovens entre 15 e 20 anos e não sabe como. “É uma maneira fresca de se comunicar.”

A sacada é que apesar de qualquer um poder ter seu próprio sorriso amarelo, para ter um Smiley vinculado à história do design, só pagando até 12% do preço cheio do produto, valor que a Smiley Company cobra para se associar. Claro, não existe sorriso grátis. Talvez, só o desta edição, customizad­a por Loufrani. :)

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A convite da Folha, a Smiley customizou o logo desta edição
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Fotos Divulgação Criação do estilista Jeremy Scott para a Moschino, de 2015, tem o rosto Smiley licenciado pela grife
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 ??  ?? Acima, edição de 1º de janeiro de 1972 do jornal France Soir, primeiro a usar o Smiley (no alto)
Acima, edição de 1º de janeiro de 1972 do jornal France Soir, primeiro a usar o Smiley (no alto)

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