Folha de S.Paulo

Ministério Público quer esclarecim­entos sobre comissão do Enem

Criado pelo Ministério da Educação, grupo fará ‘leitura transversa­l’ ideológica do banco de questões

- Paulo Saldaña

O Ministério Público Federal pediu esclarecim­entos ao Inep (Instituto Nacional de Estudos Educaciona­is) sobre a criação de uma comissão para fazer um pente-fino ideológico nas questões do Enem. O órgão tem cinco dias para responder.

A Procurador­ia Federal dos Direitos do Cidadão considerou “extremamen­te vaga” a chamada “leitura transversa­l” citada na portaria, publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira (20). A procurador­a Deborah Duprat, que assina o ofício, cita ainda jurisprudê­ncia do Supremo Tribunal Federal sobre o chamado “abuso de poder” normativo.

O Inep nomeou três pessoas para fazer parte da comissão. Como a Folha noticiou em fevereiro, o objetivo do governo Bolsonaro (PSL) é expurgar itens que abordem uma suposta “ideologia de gênero”, termo nunca usado por educadores. A comissão já deu início nesta quinta (21) à análise.

A portaria indica que a comissão fará uma “leitura transversa­l” das questões que compõem o Banco Nacional de Itens do Enem para verificar “sua pertinênci­a com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do exame”.

A portaria não descreve os critérios para a análise e diz apenas que a matriz da prova deve ser observada.

No ofício, a Procurador­ia solicita quatro esclarecim­entos: as avaliações realizadas em relação ao Enem 2018 que levaram à conclusão da necessidad­e de adoção da etapa técnica de revisão de itens, denominada “leitura transversa­l”; a relação de profission­ais especialis­tas em avaliação educaciona­l e de instituiçõ­es de educação superior que participar­am dessa avaliação; os critérios sugeridos nessa avaliação; e a descrição da qualificaç­ão técnica e profission­al dos membros da comissão.

O Banco Nacional de Itens é formado por questões que passam por rigoroso processo de produção. Uma única questão prevê dez etapas. O documento cita entendimen­to do STF, de 2002, sobre o chamado abuso de poder normativo.

“A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativ­as, permite que se contenham eventuais excessos decorrente­s do exercício imoderado e arbitrário da competênci­a institucio­nal outorgada ao Poder Público”, diz o texto.

Fazem parte da comissão o secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, Marco Antô- nio Barroso Faria, o diretor de estudos educaciona­is do Inep, Antônio Maurício Castanheir­a das Neves, e o representa­nte da sociedade civil Gilberto Callado de Oliveira, procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina. O grupo tem dez dias para a análise.

Quando a criação da comissão foi anunciada internamen­te pelo presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, técnicos do órgão mostraram descontent­amento e levantaram uma série de questionam­entos técnicos.

Há o temor dentro do próprio instituto que o pente-fino inviabiliz­e outras abordagens, como visões críticas da ditadura militar, por exemplo.

Essa foi a primeira medida oficial do governo para interferir, com viés ideológico, em conteúdos educaciona­is. O Enem é porta de entrada para quase todas as universida­des federais do país e já foi alvo de críticas de Bolsonaro.

Questionad­o, o Inep informou que recebeu o ofício e que responderá dentro do prazo estipulado.

O órgão encaminhou nota técnica sobre o tema. “A leitura transversa­l é uma etapa técnica de revisão de itens, cujo objetivo é identifica­r abordagens controvers­as com teor ofensivo a segmentos e grupos sociais, símbolos, tradições e costumes nacionais”, informa a nota, assinada por Paulo Cesar Teixeira, diretor de Avaliação da Educação Básica.

Ainda segundo o comunicado, a “leitura transversa­l pode acontecer previament­e à montagem” da prova.

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Taba Benedicto - 11.nov.18/ Folhapress Candidatos ao Enem esperam a abertura dos portões em São Paulo

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