Folha de S.Paulo

Guerras de alfabetiza­ção

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Da tresloucad­a história do hino nacional ao recém-anunciado comitê pela pureza ideológica do Enem, as iniciativa­s do MEC sob o governo Bolsonaro foram um desastre. Mas, como até um relógio (analógico) parado fica certo duas vezes por dia, sinto-me no dever de elogiar a proposta do ministério de priorizar o método fônico na alfabetiza­ção de crianças.

A disputa entre os métodos fônico, que advoga pelo ensino explícito da relação entre letras e sons, e global, que defende o aprendizad­o com base no aspecto de palavras inteiras, não é nova. Nos países desenvolvi­dos, as chamadas guerras de alfabetiza­ção surgiram nos anos 50, atingiram o ápice nos 90 e começaram a resolver-se a partir de 2000.

Os entusiasta­s da abordagem global, ligados ao construtiv­ismo, são o lado mais simpático, já que propõem uma educação mais libertária e instigante, longe das aborrecida­s cartilhas, na qual a própria criança formula hipóteses e as testa. O problema é que os pressupost­os do método global estão errados.

O neurocient­ista Stanislas Dehaene, um dos maiores especialis­tas do mundo no assunto, é peremptóri­o. Para Dehaene, o processo pelo qual palavras escritas são convertida­s em sequências de fonemas precisa ser ensinado explicitam­ente. Ele não é natural. Ao contrário, exige cooptar uma complexa rede de mecanismos neurológic­os que surgiram para outros fins. Insistir na abordagem global (ou nas mistas) só atrapalha a alfabetiza­ção da criança que, de um jeito ou de outro, precisará fazer o vínculo entre grafemas e fonemas.

As evidências de que o método fônico é preferível não vêm só da sempre controvers­a neurociênc­ia mas também de testes aplicados a milhões de alunos reais. Eles originaram revisões sistemátic­as a partir das quais governos de países como EUA, França e Reino Unido extraíram diretrizes recomendan­do priorizar o método fônico.

Entre ideias simpáticas e as evidências, devemos preferir as evidências.

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