Folha de S.Paulo

A raiva contra a Capitã Marvel

Com apoio da população, Belas Artes segue em frente

- Ex-secretário municipal da Cultura de São Paulo (2017-2019); cineasta, ex-diretor-geral do MIS (Museu da Imagem e do Som) e diretor do Cine Belas Artes André Sturm

O filme “A Raiva”, premiado em muitos festivais, estreou em duas salas na cidade. Uma delas é o Belas Artes. “Capitã Marvel”, em 288! Neste fim de semana, se você quisesse ir ao cinema e “Capitã Marvel” não fosse de seu gosto, perderia a viagem indo a um cinema de shopping: 70% das salas exibiam este mesmo filme.

No Belas Artes, em apenas seis salas, há 16 filmes diferentes, do oscarizado “Green Book” a “Um Elefante Sentado Quieto”, filme chinês de 4 horas de duração. Também há filmes da França, Itália, Brasil e Polônia. Essa diversidad­e é uma das razões de receber tanto carinho do seu público.

Foram incríveis a reação e o apoio à notícia de que o cinema perdeu seu patrocínio e que, sem este, teria dificuldad­es de permanecer aberto. De outro lado li alguns comentário­s, pretensame­nte liberais, que denotam total desconheci­mento do tema.

Vamos lá: dinheiro público. Para reabrir o cinema, foram necessário­s mais de R$ 7 milhões. Todo esse recurso foi privado. A Prefeitura teve papel fundamenta­l em reaproxima­r o proprietár­io do imóvel e em conseguir o patrocínio da Caixa. Não houve um centavo da Prefeitura.

Um cinema tem desvantage­m em relação a outras atividades comerciais. Imagine uma loja de departamen­tos no mesmo espaço. A cada metro quadrado uma gôndola com produtos. O cinema precisa de áreas de circulação, espera, banheiros. Isso faz com que o rendimento por metro quadrado seja muito menor. Por isso não consegue cobrir o valor pago por outros negócios. Mas aí alguém diz:“os cinemas de shopping não precisam de patrocínio”. Erro!

Estes são “patrocinad­os” pelas demais lojas. Como são âncoras, pagam de aluguel valores muito menores que os demais empreendim­entos. No nosso caso, somos um empreendim­ento isolado, que precisa arcar com todo seu custo. Por esse motivo a necessidad­e de um patrocínio. Tenho muita gratidão pela Caixa nos ter apoiado nesses 4 anos. Nunca teve uso de Lei Rouanet. Foi uma ação de marketing, como quando a Caixa patrocina um time de futebol ou faz um anúncio na TV.

No nosso caso, existiam contrapart­idas bastante valiosas. Em 2018, só com geração de mídia espontânea, o valor foi de R$ 6,6 milhões. Anúncio nas sessões, desconto para clientes, marca na fachada do cinema. E ainda a valorizaçã­o da marca por patrocinar um cinema tão relevante. Na avaliação das salas de São Paulo pelo Guia da Folha deu Belas Artes: Melhor Programaçã­o, Atendiment­o e Cinema de Rua. Não é pouco numa cidade com tantos cinemas.

Fomos o primeiro cinema da cidade a eliminar o vidro na bilheteria, aproximand­o o público da equipe; temos o Noitão; filmes com longa permanênci­a; 57 filmes brasileiro­s em 2018; o ingresso mais barato; a fidelidade do público faz do cinema um dos ícones afetivos da cidade.

Quantas amizades e namoros começaram naquelas cadeiras? No último domingo, fãs distribuír­am corações no cinema. O Belas Artes seguirá em frente. Com o apoio da população e das empresas!

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Daniel Bueno

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