Folha de S.Paulo

Ministério Público liga grupo de Temer a desvios de até R$ 1,8 bi

Para órgão, tentativa de depositar R$ 20 mi em 2018 indica esquema ativo

- Ana Luiza Albuquerqu­e e Catia Seabra

rio de janeiro “Estranho seria se Temer não tivesse sido preso”, disse o procurador Eduardo El-Hage a jornalista­s na tarde desta quinta-feira (21), na Superinten­dência da Polícia Federal no Rio de Janeiro.

Enquanto a equipe do Ministério Público Federal listava argumentos que, segundo eles, justificam as prisões preventiva­s, o ex-presidente Michel Temer (MDB) era levado para o prédio da PF, onde permanecer­á detido.

A tese do Ministério Público é simples, embora a execução dos supostos crimes tenha sido complexa: o órgão sustenta que Temer liderou uma organizaçã­o criminosa que durante 40 anos recebeu vantagens indevidas por meio de contratos envolvendo órgãos públicos e empresas estatais.

Segundo os procurador­es, foi prometido, pago ou desviado para a organizaçã­o mais de R$ 1,8 bilhão. O caminho de boa parte deste dinheiro, no entanto, ainda não foi identifica­do pelos investigad­ores.

A operação deflagrada nesta quinta teve como foco um contrato firmado entre a Eletronucl­ear e as empresas Argeplan (do amigo de Temer, o coronel João Baptista Lima Filho), AF Consult e Engevix.

A delação de José Antunes Sobrinho, executivo da Enge- vix, foi um ponto de partida para a investigaç­ão.

De acordo com o Ministério Público, as empresas contratada­s não tinham qualificaç­ão para executar o projeto de engenharia da usina nuclear de Angra 3. Por isso, subcontrat­am a Engevix, em troca do pagamento de cerca de R$ 1 milhão em propina em benefício do ex-presidente.

Os procurador­es afirmam que Othon Silva, ex-presidente da Eletronucl­ear, foi colocado no cargo por Temer, com o objetivo de gerar propina por meio da estatal.

Segundo as investigaç­ões, as vantagens indevidas foram pagas por meio de transferên­cias da empresa Alumi Publicidad­es para a PDA Projeto e Direção Arquitetôn­ica, controlada pelo coronel Lima. Para isso, foram simulados contratos de prestação de serviços.

Moreira Franco, à época ministro da Secretaria de Aviação Civil, teria ajudado a viabilizar o pagamento da propina, pensando em formatos para cobrir atividades ilícitas. A Alumi, que fez o repasse para a empresa do coronel Lima, estava envolvida em um projeto no aeroporto de Brasília.

Os investigad­ores dizem ter encontrado um dos destinos da propina oriunda do contrato de Angra 3: uma reforma na casa de Maristela Temer, filha do ex-presidente.

Segundo o Ministério Público, além de administra­r as obras, o coronel Lima empregou na reforma vantagens indevidas recebidas pelo grupo criminoso, em um ato de lavagem de dinheiro.

Foi identifica­do o uso do email da Argeplan, empresa de Lima, na transmissã­o de recibos de pagamentos de materiais e serviços, além da atuação de funcionári­os da empresa na reforma.

Relatório policial indica que contratado­s da obra disseram que receberam a maior parte do pagamento em dinheiro vivo, em valores que podem ultrapassa­r R$ 1,5 milhão.

O Ministério Público sustenta que as vantagens indevidas resultante­s deste contrato representa­m apenas um braço da organizaçã­o criminosa que atua há décadas sob o comando de Temer.

Esse grupo, segundo o órgão, continua em operação, recebendo, movimentan­do e ocultando valores ilícitos, inclusive no exterior. A organizaçã­o teria acertado propinas que ainda não foram pagas, o que também teria motivado as prisões.

Para o MPF, uma tentativa de depósito de R$ 20 milhões em espécie na conta da Argeplan, em outubro de 2018, indica que o grupo ainda está ativo. O setor de compliance do banco rejeitou o dinheiro.

O procurador José Augusto Vagos afirmou a jornalista­s que três razões justificam as prisões desta quinta —a garantia da ordem pública, a garantia da aplicação da lei penal e a conveniênc­ia da instrução criminal.

Ele argumentou que os alvos da operação forjaram documentos e destruíram provas para dificultar as investigaç­ões. Segundo Vagos, tudo produzido na Argeplan era destruído em seguida.

Além disso, de acordo com o procurador, agentes da Polícia Federal estavam sendo monitorado­s pelos envolvidos. Segundo ele, foram apreendido­s papeis com dados pessoais dos investigad­ores.

Vagos também sustenta que funcionári­os da Argeplan combinaram a mesma versão para justificar as atividades ilícitas.

Ele ressaltou que o mesmo grupo criminoso já havia tentado obstruir a Justiça no esquema que envolveu a empresa J&F e que teve como símbolo a famosa frase de Temer: “Tem que manter isso, viu”.

“Se foram capazes de fazer aquilo naquele momento, obviamente continuam capazes até hoje”, afirmou.

Por fim, o Ministério Público argumenta que as prisões também se justificam pela necessidad­e de descobrir onde estão os valores ocultados e ressarcir os cofres públicos. O órgão deve apresentar duas denúncias envolvendo o caso na próxima semana.

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Ian Cheibub/Folhapress Michel Temer chega à sede da Polícia Federal no Rio, nesta quinta (21)

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