Juiz usa o verbo ‘parecer’ 19 vezes e cita destruição de provas em busca de 2017
Para evitar transferência de ação, Marcelo Bretas diz que caso não tem relação com crime eleitoral
Em decisão judicial de 46 páginas que repete 19 vezes o verbo parecer, no sentido de dúvida ou incerteza, o juiz federal Marcelo Bretas cita um fato ocorrido há dois anos para exemplificar o risco de destruição de provas e justificar a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB).
O juiz menciona outras justificativas para a prisão preventiva que aparecem no Código de Processo Penal, mas não diz como esses fatos teriam ocorrido com Temer.
Segundo o juiz, o artigo 316 do Código de Processo Penal permite a prisão preventiva sempre que há risco para a ordem pública —para evitar a destruição de provas, garantir a ordem pública e por conveniência da instrução do processo penal.
Para Bretas, há “risco efetivo que os requeridos em liberdade possam criar à garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal e à aplicação de lei penal (artigo 312) do Código de Processo Penal”.
Um dos principais indícios de destruição de provas mencionados pelo juiz ocorreu em maio de 2017, durante uma operação de busca e apreensão na sede da Argeplan.
Os policiais descobriram que os empregados eram orientados a não deixar nada nos escritórios, e as imagens captadas pelo sistema de segurança eram apagadas todo dia.
“Esse fato parece indicar que os investigados estão agindo para ocultar ou destruir provas de condutas ilícitas”, escreveu Bretas.
No quesito da garantia da ordem pública, o juiz afirma que o Supremo já tem jurisprudência sobre a justeza da prisão com “o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentalmente”.
O juiz aponta ainda que a gravidade do crime e a posição que Temer ocupou como vice-presidente e presidente justificam a prisão.
“Considero que a gravidade da prática criminosa de alto padrão social, mormente políticos nos mais altos cargos da República, que tentam burlar os trâmites legais, não poderão
trecho do pedido de prisão de Temer escrito pelo juiz Bretas
jamais ser tratada como o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum”.
Bretas frisa ainda que acabar com a atividade ilícita e recuperar o dinheiro supostamente desviado é tão importante quanto investigar a organização criminosa da qual Temer é acusado de liderar. “Nesse sentido, deve-se ter em mente que, no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso”.
O juiz faz duas observações que parecem ser uma tentativa de construir argumentos contra as alegações que a defesa de Temer deve apresentar.
Ele afirma que o caso não tem qualquer relação com crime eleitoral. Na última quinta (14), o Supremo decidiu que casos em que haja corrupção e caixa dois, o caso deve ficar com a Justiça eleitoral. Se prevalecer essa interpretação, Bretas perderia o processo.
O juiz usa uma declaração que Temer prestou à Justiça Federal, de que o coronel João Batista Lima Sobrinho, acusado de ser seu operador, jamais arrecadou recursos de campanha para ele, para tentar fugir dessa estratégia.
“No caso dos autos, não há elementos que indiquem a existência de crimes eleitorais”, diz no decreto de prisão.
Bretas busca também escapar de um eventual julgamento dos recursos de Temer pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo, conhecido por suas críticas às prisões preventivas da Lava Jato.
Gilmar é o ministro encarregado de julgar os recursos das operações Saqueador e Calicute no Supremo. Já as apelações em torno da Operação Radioatividade foi distribuída para o ministro Edson Fachin.
“Repito que estes autos guardam relação de conexão e continência com a ação penal Radioatividade e seus vários desdobramentos. Não há relação entre este procedimento e as ações penais derivadas das denominadas operações Saqueador e Calicute e seus desdobramentos”. afirma que Marcelo Bretas segue o mesmo padrão do ex-juiz federal Sergio Moro: detalha os crimes, faz um histórico das condutas dos réus, mas não apresenta motivos concretos para a prisão preventiva. “A decisão nega solenemente a figura da presunção de inocência. Ela deve ser criticada pesadamente porque é quase um pre-julgamento”.
Toron e Jorge Silveira afirmam ainda que Temer não tem mais cargo público; portanto não teria como continuar a praticar os crimes dos quais é acusado, como a cobrança de propina.
Se Temer não ocupa mais cargo público, diz Toron, o juiz poderia recorrer a medidas menos graves do que a prisão, como a tornozeleira eletrônica ou a prisão domiciliar.
Professor de direito penal na Universidade Federal do Paraná, Paulo César Busato tem uma visão diferente do decreto de prisão.
Para ele, a decisão de prender para a garantia da ordem pública só é válida se for para cessar um crime permanente que continue ocorrendo.
“A organização criminosa é crime permanente e a dissimulação de origem ilícita de bens também pode sê-lo”, afirma Busato.
Ele diz que tudo isso depende das provas reunidas pelo Ministério Público. “Se tais provas efetivamente existem, a justificativa excepcional da prisão seria válida. No entanto, o texto da decisão não aponta claramente que provas são essas.”
Nesse sentido, devese ter em mente que, no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou mensagem pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso