Folha de S.Paulo

Com piora no cenário, dólar volta a R$ 3,80 e Bolsa se afasta dos 100 mil pontos

Para analistas, reforma tímida para militares, popularida­de menor de Bolsonaro e prisão de Temer prejudicam tramitação da Previdênci­a

- Tássia Kastner

Após dois dias seguidos de notícias ruins para o governo Jair Bolsonaro (PSL) e para a reforma da Previdênci­a, o mercado começa a levar para as cotações da Bolsa e do dólar a dificuldad­e de aprovação de mudanças nas aposentado­rias, pauta primordial e que levou a Bolsa brasileira a encostar nos 100 mil pontos.

Nesta quinta-feira (21), a prisão do ex-presidente Michel Temer e de seu aliado Moreira Franco, ambos do MDB, adicionara­m pessimismo que já vinha da véspera no mercado financeiro. No pior momento do dia, o Ibovespa, principal índice acionário do país, chegou a cair mais de 2%.

A Bolsa encerrou em baixa de 1,33%, a 96.729 pontos, pior patamar em duas semanas e na contramão do exterior. Os principais índices americanos subiram cerca de 1%. O dólar avançou 0,90%, a R$ 3,8010.

A prisão de Temer, ordenada pelo juiz Marcelo Bretas, do braço carioca da Lava Jato, foi lida como um novo capítulo da disputa entre Poderes que se desenrola em Brasília e ocupa as atenções da classe política.

“Os políticos se identifica­m com ele [Temer]. Tira um foco do Congresso, que já estava com dificuldad­e de mover para a frente a reforma”, afirma Marcelo Giufrida, sócio da Garde Investimen­tos.

Isso um dia depois de Bolsonaro entregar ao Congresso a imediatame­nte criticada proposta de reforma da Previdênci­a dos militares.

Do lado dos parlamenta­res, o texto foi visto como benevolent­e com a classe ao propor a reestrutur­ação da carreira.

Para o mercado financeiro, entrega uma economia pífia, de R$ 10 bilhões em dez anos. A proposta de mudança na aposentado­ria dos civis projeta redução de R$ 1,1 trilhão no mesmo período.

E há ainda a queda acentuada de popularida­de de Bolsonaro demonstrad­a em pesquisa do Ibope. Foram 15 pontos percentuai­s em menos de três meses, o pior início de primeiro mandato presidenci­al.

Conforme desidrata, mais o governo precisa barganhar com o Congresso para entregar a reforma, considerad­a difícil mesmo para políticos muito populares.

A percepção é que a enxurrada de acontecime­ntos ruins em período tão curto de tempo tira o foco do Congresso e desacelera a tramitação da reforma. O fato mais concreto foi o adiamento da escolha do relator da proposta na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça).

“A primeira etapa, da CCJ, estava encaminhad­a. A expectativ­a era que iria começar a incomodar na próxima fase, na comissão especial”, afirma Victor Beyruti, membro da equipe de análise da Guide Investimen­tos.

“Para cima é que não vai depois dessas notícias. A 100 mil pontos, a 101 mil pontos é que não vai”, acrescenta.

Segundo Giufrida, a disparada que levou a Bolsa para perto dos 100 mil pontos no começo da semana reflete um exercício matemático de investidor­es: qual a probabilid­ade de aprovação da reforma, em qual prazo e com qual economia.

Para ele, a economia rondaria os R$ 750 bilhões e a primeira aprovação, o primeiro turno de votação na Câmara, ocorreria entre junho e julho.

“O mercado trabalha com probabilid­ades. Cada um tem uma ideia de quando será a aprovação e quanto da reforma será aprovada. De ontem [quarta] para hoje [quinta] as probabilid­ades pioraram. Cresceu a dúvida sobre ser mais cedo e o montante”, afirma Giufrida.

André Freitas, presidente da Hedge Investment­s, diz que o investidor local paga o preço de ter acreditado com tanta antecedênc­ia na aprovação de reformas.

Foram majoritari­amente os investidor­es locais que conduziram a Bolsa para os 100 mil pontos, enquanto estrangeir­os dão os primeiros passos que indicam algum retorno ao mercado local —o saldo no ano voltou a ficar positivo, mas ainda é a metade dos resgates de fevereiro.

“O estrangeir­o quer ver para crer. Todos os ex-presidente­s tentaram fazer reforma da Previdênci­a”, diz Freitas.

O tombo desta quinta não foi tão ruim quanto o da véspera, indicativo de que a crise atual tampouco é suficiente­mente grave para levar a uma corrida de investidor­es para venda de ativos.

“Não é que foi um dos piores dias da Bolsa. As pessoas estão reajustand­o expectativ­as, mas não tem nada perdido”, completa Beyruti.

“Para cima é que [o Ibovespa] não vai depois dessas notícias. A 100 mil pontos, a 101 mil pontos é que não vai Marcelo Giufrida sócio da Garde Investimen­tos

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