Folha de S.Paulo

Recuperaçã­o da economia pode ser postergada mais uma vez, e reforma, virar artigo de luxo

- Carlos Melo Cientista político e professor do Insper

A dinâmica política dos últimos anos e o ímpeto da Operação Lava Jato são conhecidos. A prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e de seus colaborado­res mais íntimos ocorreria mais cedo ou mais tarde. Deu-se mais cedo: menos de três meses desde o fim do mandato.

Atrás das grades empilhamse dois ex-presidente­s da República (Temer e Lula), quatro ex-governador­es (Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Beto Richa e Moreira Franco, também ex-ministro), um expresiden­te da Câmara (Eduardo Cunha), ex-ministros, ex-parlamenta­res, operadores políticos e empresário­s, numa fila de perder de vista.

Para o sistema político, é um cenário de terror: muitos de seus membros sentem-se pressionad­os e desprotegi­dos. Se figuras como Temer e Lula puderam ser recolhidos pela Justiça, quem não poderia?

Pode não ser mau, mas tampouco é completame­nte livre de consequênc­ias. Quem perdeu o mandato na última eleição está naturalmen­te descoberto, mas quem ainda o possui não dormirá tranquilo.

Na busca de um tipo de habeas corpus preventivo —a imunidade parlamenta­r reclamada antecipada­mente—, envolvidos em antigos e novos processos de investigaç­ão já batem às portas do Supremo.

Da Lava Jato aos envolvidos com milícias, passando pelos laranjas, ninguém restará sereno e calmo. Nessas horas, em Brasília, o ar se rarefaz e o coração dispara: quem tem cargo tem medo. Quem não tem mais, também. E isso envolve a todos os partidos.

Clima assim nunca foi encorajado­r de processos reformista­s, estruturai­s ou fiscais. O foco de temas e votações necessária­s para recomposiç­ão das contas da União, dos estados e dos municípios é desviado —e há sempre a hipótese de perdê-lo, como ocorreu quando foram reveladas as conversas entre o próprio Temer e Joesley Batista, em março de 2017.

A recuperaçã­o da saúde da economia nacional pode ser, mais uma vez, postergada.

Um indício: neste momento, o país deveria debater as pro- postas de reforma da Previdênci­a geral e dos militares, destravar o processo. Mas as circunstân­cias o mergulham em discussões em torno de prisões, especulaçõ­es sobre o futuro e teorias conspirató­rias que ganham corredores de Brasília, a internet, os jornais, as ruas. A reforma da Previdênci­a pode, assim, virar artigo de luxo.

Também a estupidez, vaidade e os erros de avaliação agem contra a reforma. Bolsonaris­tas vão às redes e às tribunas para tripudiar sobre os vencidos —“esculachar”, na linguagem prisional—, sem se dar conta de que constrange­m aliados e despertam a cizânia no que seria a própria base.

O prestígio e abrangênci­a de Michel Temer e dos seus vão muito além do MDB, estão disseminad­os por todo o chamado centrão, a verdadeira força hegemônica da Câmara. Prudência e coordenaçã­o tornam-se, então, habilidade­s ainda mais essenciais, artigo escasso no bolsonaris­mo.

A radicaliza­ção e o falso moralismo são bumerangue­s que voltam à testa. O PT e o pessoal do impeachmen­t de 2015 sabem disso. Outros podem vir a saber.

Bolsonaris­tas vão às redes e às tribunas para tripudiar sobre os vencidos, sem se dar conta de que constrange­m aliados e despertam a cizânia no que seria a própria base

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