Folha de S.Paulo

Empiricus obtém mais de 1 milhão de emails com vídeos de Bettina

Endereços podem ser usados para a venda de relatórios, o que é visto como propaganda enganosa

- Tássia Kastner e Laísa Dall’Agnol

A Empiricus afirma que 1,1 milhão de pessoas se inscrevera­m para assistir aos vídeos da Bettina, a jovem funcionári­a que apareceu em uma campanha viral dizendo que, com investimen­to inicial de R$ 1.500, alcançou o patrimônio de R$ 1 milhão em três anos.

Após questionam­entos sobre como juntou dinheiro em tão pouco tempo, Bettina Rudolph, 22, explicou à Folha que faz investimen­tos mensais e contou com um aporte de R$ 35 mil do pai. Ela não sabe quanto efetivamen­te investiu e qual foi o retorno de sua carteira no período.

A campanha era justamente para o lançamento de um novo produto da Empiricus, uma série em que a jovem promete contar como fez seu dinheiro crescer tão rapidament­e aplicando em ações.

Para acessar os vídeos, porém, investidor­es precisam obrigatori­amente informar o email para a Empiricus (e, opcionalme­nte, nome, celular e o perfil no Facebook).

No programa Pânico, da rádio Jovem Pan, o estrategis­ta da empresa, Felipe Miranda, comemorou a marca de inscritos. Segundo Miranda, ela é superior ao número de investidor­es pessoa física inscritos na Bolsa de Valores, ao redor de 1 milhão.

A receita da Empiricus vem da venda de relatórios com recomendaç­ões de investimen­tos. Bettina disse à Folha que suas decisões de compra de ações —ela tem mais de 30 em sua carteira— foram baseadas nos relatórios pagos da empresa, que assinava antes de virar funcionári­a.

A Empiricus tem uma newsletter gratuita, utilizada para convencer os leitores a pagar pelo conteúdo. Dois milhões de pessoas recebem a newsletter diária e 325 mil pagam por relatórios.

Para a pesquisado­ra do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio) Priscilla Silva, a troca do endereço de email pelo conteúdo faz com que os vídeos não possam ser considerad­os gratuitos, como diz a Empiricus. “Tem uma troca ali, e ela vale dinheiro. As empresas lucram com esses dados, então é uma contrapart­ida muito alta”, afirma.

O convencime­nto para que o leitor se torne assinante vem justamente dos textos enviados para o email dos inscritos. “Depois da troca do email, haveria uma abertura para a venda de produtos”, diz Silva.

Outro debate em torno do anúncio é se houve propaganda enganosa, o que a Empiricus nega, por dizer que essa campanha não envolve sequer a venda de um produto.

“A questão principal é que o anúncio passa a informação de que daria conselhos financeiro­s, e na verdade ha verá venda de produtos”, diz Silva.

Na terça (19), a CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s) fez uma postagem no Facebook de uma imagem de um cordeiro com cabeça de lobo e as frases “Estou te dando conselhos financeiro­s. Eu nunca tentaria te vender um produ- to...”, acompanhad­a de um texto sobre os cuidados que um investidor deve ter ao procurar um consultor financeiro.

Segundo Silva, o CDC (Código de Defesa do Consumidor) considera propaganda enganosa tanto uma campanha que induza o consumidor a erro quanto a que deixa dúvida sobre a clareza da informação. O Procon-SP já notificou a Empiricus sobre o caso.

Nesta quinta-feira (21), a CVM divulgou comunicado para lembrar que já aciona a Empiricus na Justiça. Em dezembro, a autarquia derrubou a liminar que permitia à empresa escapar da alçada do órgão regulador.

A Empiricus, que começou como empresa de análise de investimen­tos, mudou o seu registro na Junta Comercial para editora e passou a se definir como produtora de conteúdo. Miranda defende que o motivo é evitar censura.

Desde que começou a atuar com marketing agressivo, a empresa sofreu diversas sanções de reguladore­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil