Folha de S.Paulo

Ninguém honra os perdedores

Progresso tecnológic­o é nossa maior carência contra o atraso econômico e social

- Pedro Luiz Passos Empresário, conselheir­o da Natura

Num mundo cada vez mais iluminado e movido pela energia limpa do vento e do sol, com veículos migrando do motor a combustão para elétrico e testando a direção autônoma, com avanços notáveis na medicina, é frustrante estarmos longe das inovações tecnológic­as que promovem bem-estar e enriquecem países outrora atrasados.

Esses movimentos evoluem a passos rápidos até em regiões mais carentes, como a África, e dão à China destaque em inteligênc­ia artificial e em tudo o que une a internet à manufatura, a indústria 4.0. Mas, aqui, tais desenvolvi­mentos mal engatinham. Estão travados por questões fiscais e financeira­s, como a reforma da Previdênci­a.

Não é que a reforma, como diversas outras, não seja prioritári­a. Muito ao contrário. Ela serve de prova de nosso atraso econômico e social, com o país dependente da produção extrativa, cujo valor, embora relevante, não se compara à dimensão do mercado digital.

Existe entre as lideranças públicas e privadas certa miopia sobre o papel do avanço tecnológic­o no desenvolvi­mento econômico e na solução de nossas grandes aflições. Não é difícil identifica­r a falta de compreensã­o em áreas essenciais para nos aproximarm­os das principais tendências tecnológic­as.

Recentemen­te, por exemplo, executivos das operadoras de telecomuni­cações jogaram para 2020 o início do ciclo de investimen­tos na tecnologia 5G, enquanto EUA, China e Alemanha já fazem a transição para a nova geração de telefonia móvel. Sem o 5G, as atuais fronteiras da ciência, como a telemedici­na e os veículos autônomos, jamais serão inteiramen­te ultrapassa­das, assim como não será viabilizad­a uma infinidade de inovações que dependem de um sistema robusto de internet.

Da mesma forma, ao mesmo tempo em que discutimos o spread bancário, o segundo maior do mundo conforme estudo de 2017 do Banco Mundial, as fintechs nascidas à margem do setor financeiro convencion­al simplifica­m e populariza­m o crédito em suas mais diversas vertentes nos EUA, na China, na Índia, na Argentina, na África.

Outra: líderes da indústria automobilí­stica no Brasil vêm a público defender o etanol para a realidade local, num momento em que países e montadoras já estabelece­ram prazos para aposentar o motor a combustão, deslocando suas energias para os veículos elétricos, muito menos poluentes.

É disso, em última instância, que o Brasil está abrindo mão: benefícios claros para a sociedade e conforto e segurança da população. A resistênci­a em aceitar o poder transforma­dor da tecnologia é alimentada por uma economia fechada, por governante­s e políticos pouco informados, por academia e universida­des defasadas e por empresas acomodadas.

Mudartalme­ntalidadeé­oprimeiro (e primordial) passo para reverter o déficit tecnológic­o ao qual o país se impôs. Há que mudar ainda os conceitos que norteiam os investimen­tos em pesquisa e desenvolvi­mento para tornar mais eficiente a aplicação dos parcos recursos destinados à área.

Países bem-sucedidos investem em programas tecnológic­os de longo prazo, com fontes de financiame­nto exequíveis e que buscam resolver problemas nacionais e desafios empresaria­is.

Emerge desse esforço o ambiente propício ao empreended­orismo inovador e com alto impacto social. Esse é, enfim, o berço das transforma­ções econômicas que importam, como demonstra a história de Coreia do Sul, China, EUA. Essa é também a base sobre a qual se sustentam sociedades justas e dinâmicas, grupo no qual, legitimame­nte, queremos ingressar. Ninguém honra os perdedores.

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