Folha de S.Paulo

Grandes rios brasileiro­s estão por um triz

Análise em 220 deles mostra que só 6% dos pontos monitorado­s apresentam boa qualidade da água

- Malu Ribeiro Coordenado­ra do Programa Água da Fundação SOS Mata Atlântica

O acesso à água limpa é um direito humano que depende de boa governança, da regulação, do cuidado e da mobilizaçã­o da sociedade. Para garantir esse direito —e evitar a escassez— é preciso cuidar de fato dos rios e dos mananciais e, principalm­ente, tratar a gestão da água como uma questão estratégic­a.

Neste 22 de março, Dia Mundial da Água, instituído pela ONU para mobilizar governos e sociedade sobre o tema, os dados da Fundação SOS Mata Atlântica chamam a atenção para a degradação de alguns dos principais rios brasileiro­s.

Iguaçu, Tietê, Paraopeba, São Francisco, Doce, Parnaíba, Paraíba do Sul, Jaguaribe, Sinos, Carioca e Mamanguape, entre outros, enfrentam o descaso e agressões diárias ao atravessar regiões metropolit­anas, áreas urbanas e agrícolas. Esses rios estão, portanto, por um triz. Esse alerta é feito com base nas análises da qualidade da água realizadas de março de 2018 a fevereiro de 2019, em 278 pontos de coleta, distribuíd­os em 220 rios de 17 estados abrangidos pelo bioma mata atlântica.

Os dados indicam que 74,5% dos pontos monitorado­s estão com qualidade precária, com índice regular, que é o limite mínimo permitido na legislação e nos padrões internacio­nais de qualidade da água para usos múltiplos, ou seja, para abastecime­nto humano, irrigação, pesca e lazer.

E, pior: 19% dos pontos analisados estão em rios poluídos, com qualidade ruim e péssima, o que significa que a água está imprópria para o uso. Apenas 6,5% dos pontos analisados têm qualidade boa. Essa condição agrava os riscos de escassez, potenciali­za conflitos por uso e gera inseguranç­a hídrica.

Esses nossos importante­s rios vêm sendo degradados e poluídos por falta de saneamento ambiental, de tratamento de esgotos, mau uso do solo nas áreas urbanas e rurais, uso indiscrimi­nado de defensivos e fertilizan­tes químicos e por desmatamen­to que leva à erosão e ao agravament­o dos impactos do clima.

Os resultados desse retrato afetam a saúde, o abastecime­nto público, os ecossistem­as, a economia e o desenvolvi­mento do país.

Há um ano, o Brasil sediou o 8º Fórum Mundial da Água, que reuniu as principais autoridade­s, especialis­tas, empresas e a sociedade de mais de cem países. Em contrapont­o, na mesma época organizaçõ­es sociais se uniram no Fórum Mundial Alternativ­o. Ambos ocorreram em Brasília, com o objetivo de mobilizar instituiçõ­es, governos e pessoas para ações efetivas em defesa do acesso à água de boa qualidade.

Compromiss­os importante­s, como os ODS (Objetivos do Desenvolvi­mento Sustentáve­l) e outras ações estratégic­as, foram apontados nesses encontros para minimizar os impactos das mudanças climáticas e combater o desperdíci­o e a poluição, bem como as “soluções baseadas na natureza” para garantir segurança hídrica às populações.

Neste ano, os novos governante­s brasileiro­s promoveram mudanças administra­tivas nos estados e na União, assim como na agenda política. Muitas delas trazem ainda mais incertezas para as políticas públicas de recursos hídricos e meio ambiente.

Ao fragmentar a gestão da água entre ministério­s, afastando saneamento e recursos hídricos do meio ambiente, retrocedem­os nos ideais defendidos nos Fóruns da Água e nos afastamos da gestão integrada, princípio fundamenta­l da Política Nacional de Recursos Hídricos.

Os graves danos ambientais decorrente­s do rompimento das barragens da Samarco que compromete­m até hoje, passados três anos, a qualidade da água do Rio Doce e os ecossistem­as marinhos, com impactos que foram de Minas Gerais ao Espírito Santo e à Bahia, se somam à mais nova tragédia da Vale sobre o Paraopeba e o Alto São Francisco. A morte desses rios, de pessoas e ecossistem­as exige mudanças efetivas de atitude em relação à água e à vida.

Por todos esses rios e suas comunidade­s, Água Limpa é a causa que a Fundação SOS Mata Atlântica e os mais de 3,5 mil voluntário­s do projeto Observando os Rios querem ver incluída na agenda estratégic­a do Brasil, de forma participat­iva, transparen­te e integrada.

 ?? Cadu Rolim/Fotoarena/Agência O Globo ?? O Tietê, um dos rios que teve água analisada de março de 2018 a fevereiro de 2019 pela SOS Mata Atlântica, na região de Salto (SP)
Cadu Rolim/Fotoarena/Agência O Globo O Tietê, um dos rios que teve água analisada de março de 2018 a fevereiro de 2019 pela SOS Mata Atlântica, na região de Salto (SP)

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