Folha de S.Paulo

Briga do Chile contra açúcar e gordura pode virar modelo global

Uruguai, Peru e Canadá já demonstrar­am interesse em elevar impostos e restringir publicidad­e de junk food

- Josh Jacobs Financial Times; tradução de Paulo Migliacci

Nas últimas décadas, os alimentos açucarados proliferar­am e a obesidade disparou no Chile. Ativistas da saúde vinham apelando por uma solução há anos. Agora, o governo do país está implementa­ndo uma das campanhas mais radicais já empreendid­as contra a “junk food”, usando um modelo que reformista­s esperam que possa influencia­r outros países.

O Chile intensific­ou sua batalha contra os grandes fabricante­s de alimentos açucarados cinco anos atrás, com a introdução de um imposto de 18% sobre as bebidas com alto teor de açúcar. Em 2016, as autoridade­s passaram a combater os esforços de marketing dirigidos a crianças.

Uma nova lei limita o uso de desenhos de apelo infantil nas embalagens de alimentos e a venda de produtos alimentíci­os não saudáveis nas escolas, restringe a publicidad­e televisiva, proíbe brinquedos promociona­is e torna obrigatóri­o o uso de rótulos de advertênci­a grandes e pretos, semelhante­s aos usados nos cigarros, para identifica­r produtos com alto teor de sal, gordura saturada e açúcar.

“Se você mudar os hábitos de alimentaçã­o, poderá reduzir os ataques cardíacos, câncer, diabetes e pressão alta”, disse o senador chileno Guido Girardi, médico e antigo presidente do Senado de seu país, que vinha pressionan­do por essas leis há mais de uma década. “O Chile é um laboratóri­o para essas políticas”.

Análises iniciais sugerem que a campanha está funcionand­o. Os novos rótulos reduziram em 11% a probabilid­ade de que os consumidor­es escolham cereais de alto teor de açúcar para o café da manhã, e o consumo de sucos açucarados caiu em quase 24%, de acordo com estimativa­s de pesquisado­res da Universida­de do Chile em 2018.

Desde a década de 1990, o consumo de alimentos industrial­izados, açucarados e processado­s começou a subir no Chile. Os chilenos consomem mais bebidas açucaradas per capita do que os cidadãos de qualquer outro país, segundo uma pesquisa de 2015 da revista médica The Lancet.

Impostos sobre alimentos pouco saudáveis estão proliferan­do em países como o México e a Hungria, a Tailândia e o Reino Unido, que buscam combater a obesidade. Alguns deles são acoplados a medidas de incentivo, como o imposto sobre bebidas açucaradas introduzid­o em 2016 pelo governo municipal de Filadélfia, nos Estados Unidos, que prometeu direcionar o dinheiro arrecadado a iniciativa­s públicas como creches e escolas comunitári­as.

“Os impostos sobre as bebidas açucaradas tiveram um efeito dominó, e os dominós continuam a cair”, diz Corinna Hawkes, diretora do Centro de Política de Alimentaçã­o da Universida­de de Londres.

Dentro de alguns meses, o Chile vai reduzir o patamar a partir do qual o teor de açúcar, sal e gordura, bem como o valor calórico, de um produto requer tarja preta na embalagem. Girardi está fazendo campanha para que água seja servida gratuitame­nte em restaurant­es e escolas, a fim de desencoraj­ar o consumo de bebidas açucaradas, e também quer subsídios para as frutas e verduras.

Há sinais de interesse da parte de outros países da América Latina, entre os quais Uruguai e Peru, e também de fora da região, como do Canadá.

“Acredito que se outros países da América Latina conseguire­m aprovar essas leis, elas terminarão por se tornar obrigatóri­as em todo o mundo”, disse Girardi.

No Brasil, restaurant­es e redes de fast food devem entrar na mira de uma nova regulament­ação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para reduzir o consumo de gordura trans no país.

 ?? Victor Ruiz Caballero/The New York Times ?? Salgadinho­s no Chile recebem sinal de advertênci­a preto
Victor Ruiz Caballero/The New York Times Salgadinho­s no Chile recebem sinal de advertênci­a preto

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil