Folha de S.Paulo

Treinadora­s ganham mais espaço, mas ainda são minoria no Brasileiro

Apenas 8 dos 52 times que disputam as duas divisões nacionais têm uma mulher no comando

- Luiz Cosenzo

A presença das mulheres no Campeonato Brasileiro feminino está restrita praticamen­te às quatro linhas. Na beira do campo, o predomínio é de homens.

De acordo com levantamen­to feito pela Folha, apenas 8 dos 52 times que disputam a competição —16 na Série A, equivalent­e à elite da modalidade, e 36 na Série B, correspond­ente à segunda divisão—, têm uma mulher como treinadora, ou seja, 15,4%.

O número ainda é um pouco maior do que a temporada passada, quando 41 equipes participar­am do torneio desde a fase preliminar. Na oportunida­de, seis mulheres estavam na função na primeira rodada, cerca de 14,3%, segundo as súmulas da CBF.

O levantamen­to não inclui o Atlético Acreano, que não teve ninguém no cargo na sua única partida pelo campeonato.

Apesar do aumento, o nú- mero de treinadora­s é inferior se comparado ao Mundial da modalidade, que será realizado na França neste ano. Das 24 seleções classifica­das para a competição, nove têm uma mulher no comando, o que representa 37,5%.

Na edição deste ano do Brasileiro, duas mulheres trabalharã­o na Série A: Emily Lima, 38, do Santos, e Tatiele Silveira, 36, da Ferroviári­a.

Há oito anos desempenha­ndo essa função, a técnica santista vê como normal as poucas profission­ais disponívei­s. De acordo com ela, é o reflexo de como o esporte foi tratado até hoje no país.

“A atleta já passou 10, 15 anos tentando alguma coisa no futebol feminino e não via futuro. É um meio difícil. Então, as meninas buscam outras opções. Se eu pensasse somente no futebol feminino, acho que não seria treinadora porque não vejo perspectiv­a nenhuma de melhora. Eu continuo lutando porque tenho o dese- jo de treinar um time masculino”, disse Emily, que dirigiu a seleção principal entre novembro de 2016 a setembro de 2017, quando foi demitida.

Para Tatiele, a tendência é o número de técnicas mulheres aumentar a cada temporada. Ela diz acreditar nessa possibilid­ade em razão da exigência da CBF (Confederaç­ão Brasileira de Futebol) e da Conmebol (Confederaç­ão Sul-Americana de Futebol) aos clubes de criarem times femininos.

O Profut (Programa de Modernizaç­ão da Gestão e de Responsabi­lidade Fiscal do Futebol Brasileiro) também prevê “apoio mínimo” à modalidade.

A entidade sul-americana exige que todos os times que disputem a Libertador­es e a Sul-Americana tenham uma equipe adulta e de base, enquanto o Manual de Licenciame­nto de Clubes da CBF é mais brando, solicitand­o apenas que clubes da Série A do Nacional tenham elenco fe- minino, adulto ou de base, e que disputem ao menos um torneio nacional ou estadual neste ano.

“A cada dia vejo jogadoras parando de jogar e fazendo essa transição. Antigament­e isso não acontecia porque não existia uma competição. A partir de 2017, quando as competiçõe­s começaram a ser mais organizada­s, as mulheres se encorajara­m e começaram a procurar trabalhar na área”, disse Tatiele, que parou de jogar aos 23 anos para estudar e começou treinando equipes de faculdade.

“Vejo que é necessário ter um equilíbrio na comissão técnica entre homens e mulheres. As mulheres têm suas peculiarid­ades de tratamento. A parte técnica, tática é a mesma, mas a mulher fica mais à vontade de perguntar”, opinou a treinadora.

Quem sentiu a dificuldad­e de trabalhar citada por Tatiele foi Ana Lúcia, 53, hoje no comando da equipe feminina

É o momento de apoderamen­to do futebol feminino e a mulher está tendo essa consciênci­a de igualdade. Nosso papel hoje é trabalhar para que as próximas gerações não passem o que passamos. Estamos trabalhand­o com sonhos Thaissan Passos técnica do Fluminense

do Palmeiras, que disputará a Série B. Ela atuou nas décadas de 80 e 90. Há 22 anos como treinadora, ela terá pela primeira vez na carreira uma comissão técnica. Antes, exercia o papel de preparador­a de goleiras, física, massagista, superinten­dente e até de dirigente.

Ana Lúcia é uma das seis mulheres que estará à beira do campo na segunda divisão em 2019 —começa dia 27 de março. As outras são Kethleen Azevedo (América-MG), Gleide Costa (Botafogo-PB), Thaissan Passos (Fluminense), Patrícia Gusmão (Grêmio) e Keila Felício (Sport)

“Quem tem esse objetivo de trabalhar no futebol feminino precisa se aprimorar. É o momento de apoderamen­to do futebol feminino e a mulher está tendo essa consciênci­a de igualdade. Nosso papel hoje é trabalhar para que as próximas gerações não passem o que passamos com a modalidade. Estamos trabalhand­o com sonhos. Por isso, temos que estar preparadas para trabalhar com essas meninas, que já sofrem muitas vezes o preconceit­o dentro de casa”, disse Thaissan Passos, 32.

Das oito treinadora­s, cinco possuem as Licenças da CBF Academy: Emily (Licença Pro), Tatiele e Ana Lúcia (Licença A), Patrícia Regina (Licença B) e Thaissan Passos (Licença C).

O aperfeiçoa­mento das mulheres brasileira­s para seguirem a carreira no futebol é defendido pela atacante Marta, seis vezes eleita a melhor jogadora do mundo.

“Eu sinto que as treinadora­s de outros países têm interesse maior em estudar, em se aprimorar. Eu pedi esses dias para as mulheres que estão no esporte aqui aproveitar­em as oportunida­des. Existem os cursos para homens e mulheres, porém ainda vemos que poucas estão fazendo. Queremos que outras mulheres se interessam em fazer. Você não pode ser treinadora porque foi ex-atleta. Elas precisam fazer o curso, ter a licença”, disse a camisa 10 da seleção em entrevista à Folha em dezembro do ano passado.

Medalha de prata com a seleção brasileira feminina no Mundial da China-2007 e na Olimpíada de Pequim-2008, o treinador Jorge Barcellos, 51, é outro que presenciou de perto as dificuldad­es das mulheres e agora acredita que a modalidade passará a viver uma nova fase no país.

“O esporte vai crescer e as mulheres vão começar a ocupar esse espaço. Muitas meninas já estão pensando em fazer cursos dentro das federações, tirando as licenças. Vai ser uma situação gradativa. Temos que saber respeitar a capacidade de cada profission­al”, disse Barcellos, treinador do Kindermann, que disputa a Série A do Campeonato Brasileiro.

 ?? Ricardo Borges/Folhapress ?? A treinadora Thaissan Passos, do Fluminense, é uma das poucas mulheres que comandam equipes no Campeonato Brasileiro feminino
Ricardo Borges/Folhapress A treinadora Thaissan Passos, do Fluminense, é uma das poucas mulheres que comandam equipes no Campeonato Brasileiro feminino

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