Folha de S.Paulo

Em ‘After Life’, Ricky Gervais distribui lambadas verbais cheias de seu humor ácido

- Teté Ribeiro

After Life **** *

Reino Unido, 2019. Direção: Ricky Gervais. Elenco: Ricky Gervais, Tom Basden, Tony Way. Na Netflix. “After Life” começa com uma cena que se repete durante a mistura de drama e comédia criada por Ricky Gervais: uma mulher de lenço no cabelo, sorridente e obviamente doente, fala em uma longa mensagem em vídeo no laptop de Tony, seu marido, orientando-o sobre como levar a vida adiante depois de sua morte.

Tony é o personagem de Gervais, o viúvo que não vê mais sentido em nada e volta ao trabalho sem nenhum filtro no que diz e no que faz. Ele é repórter em um pequeno jornal especializ­ado em histórias bizarras, como a de um bebê que é a cara de Adolf Hitler ou a de um senhor que recebeu o mesmo cartão de aniversári­o cinco anos seguidos.

Noticiar os casos deixaria qualquer um meio irritado, mas Tony ainda mais, pois está lidando mal com o luto. As cenas e o arco da série são a cara de seu criador, engraçadas e deprimente­s, cruéis e delicadas, cínicas e sentimenta­is, às vezes tudo ao mesmo tempo.

O jornalista não consegue botar fim à própria vida por causa de sua cadela, Brandy, a única coisa viva de que ele parece gostar. Já que está condenado à vida, decide que “não há vantagem alguma em ser gentil, respeitoso e ter integridad­e”, diz. “Se eu virar um idiota posso sempre me matar. É como um superpoder.”

E ele quase vira o idiota que o telespecta­dor torce que morra —mas é engraçado demais. Os seis capítulos voam, é difícil ver um só.

Qualquer um que cruze o caminho de Tony leva uma lambada verbal, desde o seu carteiro preguiçoso até o fotógrafo do trabalho. As únicas personagen­s com quem ele fala sem agressão são uma outra viúva (Penelope Wilton, de “Downton Abbey”), a prostituta (Roisin Conaty) e a enfermeira que cuida do seu pai com Alzheimer, a incrível Ashley Jensen.

Tony anestesia a dor bebendo e, algumas vezes, usando heroína. Ele só sente algum prazer vendo imagens de cenas que viveu com a ex-mulher, assistindo a trechos do vídeo que ela gravou, “um pequeno guia para a vida sem mim”, e passeando com o cachorro.

Ricky Gervais é melhor roteirista e diretor do que ator, mas se cerca sempre de um time de coadjuvant­es ótimos que faz cada cena ficar mais engraçada, mais ácida, mais verossímil.

O fim da história não é de todo imprevisív­el, mas isso não importa. Descobrir o que vai ser da vida daquele homem é menos divertido do que testemunhá-lo errando feio pelo caminho.

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Ricky Gervais e Kerry Godliman em ‘After Life’

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