Folha de S.Paulo

Presente para Bolsonaro e Moro, não para reforma

- Análise Igor Gielow

A prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) caiu como um presente político para seu sucessor, Jair Bolsonaro (PSL).

Não só ele: a ação da Lava Jato ocorre em um momento de extrema fragilidad­e do ex-juiz que simbolizav­a a operação, o hoje ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

Mas é preciso colocar o impacto político em perspectiv­a: a reação do mundo político tende a ser negativa para a tramitação da reforma da Previdênci­a, pedra fundamenta­l para a existência do governo.

Não se está insinuando aqui que a Lava Jato agiu para ajudar políticos, apenas se trata do contexto da ação.

O começo tumultuado do governo Bolsonaro começou a cobrar preço de popularida­de do presidente, como mostrou pesquisa do Ibope divulgada na quarta (20).

A lista de imbróglios é enorme: disputa entre a ala ideológica do governo e os militares, o caso Queiroz e milícias, o laranjal do PSL, declaraçõe­s estapafúrd­ias de ministros, desconfian­ças cada vez maiores entre seus aliados no agronegóci­o, as dificuldad­es em amarrar a tramitação da reforma da Previdênci­a.

Acima de tudo, devido muito ao último item, a sensação de estagnação na economia. Por óbvio, melhorias não acontecem do dia para a noite, mas a confluênci­a de crises dá pistas para o desgaste.

A prisão de Temer traz à tona novamente um dos esteios da onda de direita que levou o improvável Bolsonaro ao Planalto: a ideia de que o sistema precisa ser moralizado. Prender um ex-presidente, por mais que sua fama não fosse das melhores, é um sinal poderoso.

Ainda que a ação tenha sido da Lava Jato, a percepção pública confunde sempre as figuras de autoridade, e Bolsonaro sempre associou-se à marca da operação (inventou até uma “Lava Jato da Educação”, que não decolou, nomeou Moro ministro).

Se o noticiário irá trazer vantagens duradouras ao presidente, isso parece mais improvável. Mas é um respiro.

A ressalva básica é necessária: como será absorvido o impacto da ação no Congresso em plena discussão da reforma da Previdênci­a.

Aqui, duas leituras são possíveis. Primeiro, que a prisão de um ex-presidente relembrará aos políticos o temor que a Lava Jato costumava gerar em seus dias mais áureos, e com isso facilitar alinhament­o automático à proposta do governo pela confusão de figuras de autoridade.

A segunda, talvez mais provável e já perceptíve­l em um apanhado de primeiras reações, seja o aumento da resistênci­a a um governo que tem entre suas marcas de propaganda a ideia de moralizar a “velha política”.

Já em relação a Moro, é certo dizer que a ação de seus antigos aliados veio em seu socorro. Desde o começo do governo, a suposta carta branca que Bolsonaro havia lhe dado foi rasgada inúmeras vezes, pelo presidente inclusive.

Nesta semana, contudo, ele viu aberta uma frente de embate séria com ninguém menos que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com quem trocou animosidad­es devido à falta de prioridade dada pela Casa ao seu projeto anticorrup­ção.

É um confronto ruim para o governo: dono da pauta da Câmara, Maia pode atrapalhar o andamento da reforma previdenci­ária.

Agora, o mesmo “éthos” que transformo­u o então juiz Moro em herói nacional volta à tona com a prisão de Temer.

Nunca é demais lembrar que o próprio Maia já teve seu nome citado em investigaç­ões no passado recente. E é genro de Moreira Franco, outro cacique do MDB preso nesta quinta.

Moro se recupera, embora isso não seja garantia que sua agenda será avançada mais rapidament­e pela exata mesma questão colocada sobre a reação corporativ­a do Congresso à prisão de Temer.

Nas notas talvez não laterais, cabe lembrar que a Lava Jato em si estava sob pressão por decisão recente contra um de seus pilares no Supremo Tribunal Federal. E que magistrado­s e procurador­es estão na linha de frente do combate à reforma da Previdênci­a, uma eventual vítima dos eventos desta quinta.

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